Divórcio não!

Largo tudo
A chave na ignição
esqueço o livro no banco de ônibus
rezo a missa apenas um terço
e saio da catedral
Vou sem bússolas
seguindo estradas pés descalços

Abro portas arrombadas
por ladrões noturnos
ligo a eletrola
e deixo o disco de Ivan Lins tocar sem parar

Falar de Morte ou na Morte...

A morte chega. Foi o tropeção sem graça,
no meio da praça; foi o erro médico
o estiramento muscular, o remédio vencido
o tiro, a bala perdida, a falta de raça

A morte chega sem pressa, sempre na hora
Uma hora depois do almoço, um infarto
Um acidente vascular grave, com SUS tô
Com meio pé, ou pé inteiro, na cova

​​Fim de Tarde

A van escolar desce a ladeira
acima da velocidade permitida.
O gato aperta o passo
para atravessar a rua
e não ser atropelado.

Ônibus

Depois de um
vem outro,
mesmo atrasado.

Explicação

Não fui capaz de fazer poemas românticos
quando na tenra idade me apaixonava
com uma facilidade incomum por coisas,
paisagens, bichos e gentes, em especial moças


Os poemas românticos ficaram trancados
a sete chaves. Meu coração amadurecia
ou amolecia, não sei, quando via a miséria
a fome, o abandono, a falta de carinho

O Céu em Chamas

O céu em chamas
no fim de tarde
é retrato pregado
na parede lateral

O céu em chamas
é pintura de artista
visionário que um dia
acordou antes da hora

Sobre Gato e Onça Pintada

O gato circula tranquilo pela casa
como se estivesse em paz
consigo mesmo

Ontem, talvez o gato não se lembre,
ele matou uma lagartixa
de forma demorada, quase uma tortura,
para satisfazer seu instinto felino

Que fazemos nós para satisfazer
nossos instintos mais primitivos?

Será que o gato imagina
que é primo da onça pintada?

Déjà Vu

É golpe? Não, é farsa
É farsa? Não, é golpe
Farsa e golpe
Golpe e farsa
Faces duma única moeda
De farsa e golpe...
O que é pior
Acreditar na farsa
Ou se ver no golpe?

​Falar Nero, JK e de sem tetos

Não existe a menor possibilidade do fogo,
do fogo que queima, acabar com os sem-tetos
Nero em Roma, bem que tentou. Destruiu a urbe,
mas o povo, teimoso, sobreviveu e Roma se refez

Juscelino Kubitschek construiu Brasília
no meio do cerrado em brasa, sem o Lago Paranoá...
O brasiliense poeta Nicolas Behr, bandas de rock
e sem-tetos vieram depois de outros tantos
brasilianos trabalhadores que ergueram a cidade...

Canto Pantaneiro


O canto vivo do pantanal
É o som do rio corrente
Que corre como um signo
Entre peixes e aquário

O canto pantaneiro, amor
Tem xis, chiados e pipios
Entre a luz e o entardecer
De todos os voos singulares...

Desescrever

Escrevo porque sou disléxico
Não sei o que leio no correr
dos dias por entre luzes
e becos de fora escondidos

Escrevo, talvez por sina,
mesmo sem entender
tudo aquilo que escrito
a letra transmite ao léu

Escrevo e todos os medos
da extrema escuridão
permanecem para sempre...

Escrevo e, reconheço, soletro
cada fonema brincando
dentro de mim feito menino.

Depois do Temporal

Tudo volta ao normal
Depois do temporal
Jogo de bola, areia
grito de gol, ponto final

Novo endereço
Pra uns; enquanto nós
Gotas de lágrimas
Caem dos céus

Delay

Acordei de um sonho e me vi acordando
No sonho eu me via sonhando
Que acordava de um sonho no qual
Me via acordando – cheguei pensar: não é sonho.

Bulas e Receitas

Li todas as bulas dos barbitúricos
Anotei os sintomas colaterais
Analisei os prós e contras
Antes de postar a carta no correio