Da Água

A poesia, se não brotar
sobre o papel em branco,
florescerá na nascente do rio
que corre rumo ao Pantanal...

A poesia como olho d'água
surge nos lugares mais imprecisos

Catar lixo

Quando às vezes saio
para catar lixo em livros de poesia
de poetas menores como eu
chego a encontrar coisas belas
faço alguma tabela
e fico entusiasta:
“Quem sabe um dia, sempre um dia,
Ou mesmo uma hora, escreva assim”.

Choro, Marisa Letícia

Choro, Marisa Letícia, choro, que minha vida é chorar
Choro pela pandorga que sobe, a linha arrebenta
corro atrás, mas não alcanço
Choro pelo pão com manteiga que cai no chão
Choro pelo menino que morre no Rio Cuiabá
Choro pelo cão atropelado na BR 163 em Mato Grosso
Choro pelo meu irmão, irmã, pela minha dor
Não haveria de chorar por quem me amou?
Mesmo não me vendo, nem me conhecendo
Apenas sabendo que existia e precisava desse amor.

Eu Sou Cuiabá

Eu sou João
Eu sou filho de Dona Josefa
Eu sou Mixto
Eu sou Botafogo
Eu sou corintiano
Eu sou grosso, ruim de bola
Eu sou MST
Eu sou MTST
Eu sou UFMT
Eu sou cuiabano
Eu sou SindJor
Eu Sou Sindicato
Eu sou mordido
Eu sou fedorento
Eu sou fedido
Eu sou fudido
Eu sou pontual, quando não atraso

O Que Restou

O que restou foi um pedaço de filme 16 mm,
um pedaço velado, que não serve pra quase nada,
um retrato 3x4 de um detalhe da torre da igreja tombada...

Foto Chau localizava-se na Rua do Meio
de quem vai e de quem vem, vice-versa

A memória, bom que se diga,
não importa muito com isso,
só quando aperta a saudade

A Reforma da Previdência (1998)

A reforma da previdência precisa ser feita!
Avisam os políticos da cara de pau
à patuléia que não tem como se defender
de tanta desfaçatez que lhe pregam à nau

A reforma da previdência é a salvação
do sistema concebido para falir...
Só que esquecem de dizer que meteram a mão
financiaram obras e mais obras faraônicas
a construção de Brasília, a ponte Rio-Niterói
a rodovia Transamazônica e a ferrovia do aço
de tal forma que agora não tem como safar

A reforma da previdência, cuidado, é armadilha
para o trabalhador que suou a camisa
a vida inteira e vê sua aposentadoria querida,
virar migalha numa fração de segundos
no voto canalha do deputado despudorado
que se vende a luz do dia de cara lavada

A reforma da previdência precisa sair do papel
mais que urgente, prega o ministro (aquele mesmo)
que se aposentou com 44 anos de idade
e o presidente com duas aposentadorias indecentes
e o Congresso Nacional com sua corja de asnos

A reforma precisa ser feita, diz o político
Segundo ele, o brasileiro não gosta de trabalhar
O trabalhador brasileiro, porém, não é paralítico
nunca se furtou a dar sua contribuição e penar

A reforma da previdência tem uma mentira
de ter mais aposentados recebendo pensão
que trabalhador na ativa com holerite
participando na formação do fundo

A reforma, claro, é feita com essas notícias
o povo, que não tem como auditar essa informação
para saber se é verdade ou não, fica o dito,
meio sem saber o que fazer, quieto
mas muito cabreiro ao assuntar de longe

A reforma vai ser feita, na marra,
goela abaixo do trabalhador, sem força
para exigir a carteira de trabalho assinada
por isso vive no subemprego submisso

A previdência, com a reforma, mentem,
vai sobreviver muito mais, com certeza
mas o trabalhador não vai viver tanto, aviso,
e, finalmente, ao fim da vida sem valia
sem nenhuma perspectiva, há de apelar
para a Divina Providência,
que não tem nada a ver com essa safadeza,
por uma morte em paz.

Este ônibus

Este ônibus
Segue todos os rumos
Todos os destinos
Até a parada final.

Pão Amanhecido

Sobre o papel que levo debaixo do braço,
no sovaco, posso dizer : -Nada escrito!
O papel jornal é resto de embrulho
de uma paixão que ficou amanhecida.

Quando Escrevo

Quando escrevo poemas sem sentido
Estou sem sentido,
Embora todo sentimento
Esteja aflorado no testamento

Quando escrevo coisas como anjos alados
Os anjos estão embaraçados
Em abraços e me guiam
Pelos caminhos de menos penar

Quando escrevo emoções sentidas
De uma dor qual nunca senti
Como ser de um poeta
Que escreve a dor que deveras sente

Interrogações

Quem escolhe nossas roupas?
Quem determina a hora de começar o dia
Às seis horas e não às oito, às onze?
Quem vai ao volante do planeta terra?
Quem escreve cartas além dos presos injustamente?
Quem carrega comigo a culpa de não sermos pós
Tudo além do conhecimento?

Quem deu a ordem pro tempo parar
Antes do próximo segundo?
Quem segurou o ponteiro do relógio
Pro tempo dar tempo pro suspiro terminal?
Quem escolhe as cores da camisa
Que fazem a próxima estação final?

Quem mergulha de ponta cabeça
No poema intrépido
Do poeta esquecido na prateleira vazia?

Quem?

Correr Riscos

Para não correr riscos,
de apaixonar-me
por olhar eletrizante,
não saio mais a passear
sem para-raios.

Poesia em Liquidação

Vende-se poesia barata. Não precisa de cartão de crédito,
nem saldo bancário estimado, ou subestimado, saldo nenhum
Vende-se poesia sem domicílio, sem grandes pretensões literárias
com guard rail para segurar quaisquer devaneios

Minha poesia não busca os grandes leitores,
os iniciados na poética do século 21, ou do século passado
Minha poesia não irá, garanto, para as antologias,
pros gabinetes literários ou para estantes das bibliotecas seculares

Entrevista

Quando conheci o poeta, estava sozinho,
observava pela janela a jovem filha da vizinho

- Que estaria o poeta imaginando?

Quando nota minha presença, se volta
e conversamos. Falamos de artes,
pinturas, quadros roubados,
livros emprestados de amigos distantes
e esquecemos em devolver