Poema Noturno

Saio noites em busca da verdade
vertente verde de aspirações
de sonâmbulos transeuntes
em ônibus de todos nós

Saio noites em busca de água
às margens de rios estranhos
esquecidos, esquecimentos aquecidos
por mentiras de leprosos

Saio noites em pouca companhia
de minha própria sombra lunar
de loucas luas por musas confusas
como mariposas de lâmpadas astrais

Saio noites serpentes em mágoas
ofendido por palavras ferinas, fétidas,
porém fugaz. Minha alma repara o ato
e separa o claro-escuro-cinza

Saio noites em serena meditação
como bêbado, mendigo, aprendiz
sem passado, mas presente com sábia
experiência de espectador sóbrio

Saio noites em busca das palavras
de homens, mulheres, todos crianças,
de muita pedra e lavra
síntese de nossa lavoura

Saio noites afora, loucamente,
por sanatórios, hospícios
– choques não bastam e loucos gritamos:
abaixo a tristeza de ofício!

Saio noites melancólico nos olhos,
mudo de mudez dos abusados,
dos bastardos desvirginados,
em abruptos estupros sectários

Saio noites adentro canino,
cabisbaixo como cão vadio,
maltratado sempre a pauladas
impunes de serviçais policiais

Saio noites em neve lembrança,
transparente, lanterna na mão
buscando sempre, sempre, sempre
e mais a chamada prima-estação


Saio noites à procura de luzes
doces, limpas e brilhantes
nos corredores, como pirilampo
de lume leite eterno vagante

Saio noites por entre névoas
e rasteiro meus olhos como faróis
guiam meus serenos passos
ressonantes nos asfaltos dos quartéis

Saio noites embranquecido
Sem luvas minhas mãos acariciam
a pele da flor posta na mesa
de sobremesa solto um riso delgado

Saio noites bovino à beça,
mugindo promessa de curral
Clamo clareza nas conversas
caseiras que extrapolam os quintais

Saio noites faminto e seco
sede, saliva segregada a sal
sem os eficientes salva-vidas
sérios, sempre de prontidão

Saio noites mudo como o trabalho
de artífice dos menores serviços
à procura constante da perfeição
dos mínimos detalhes escondidos

Saio noite poeta e palestro
com prostitutas em mesas
sobre a possibilidade real
de outra noite menos astuta

Saio noites e noites como noite,
frenético em busca, procura, à caça
de uma outra noite perdida
e grávida de outra realidade.

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