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19. lembranças familiares

junice, solidão se apossou de mim
só tenho lembranças familiares
e medo de falir

estou desalentado,
é tanto documento,
a burocracia extensa,
este cadarço não aguenta

perdi poder sobre mim,
sinto sono, não quero dormir,
tenho medo de não sonhar
queria a destruição
dos fantasmas da cidade,
das roupas, dos lares, dos corpos
no centro da metrópole

junice, estou sem amigos,
estou sem você aqui
pra ouvir conversas caseiras
que não se falam mais...

18. a carroça

a carroça da miséria,
a miséria da carroça,
vai levando no seu bojo
toda miséria deste mundo

em mato grosso
há pantanais
onde pastam bois

bois tranquilos
pastam nos pantanais
de mato grosso

a carroça da ignorância,
a ignorância da carroça,
vai levando no seu bojo
toda ignorância deste mundo

nas urbanas cidades
há ruas e avenidas
onde passam homens

homens tranquilos
passeiam nas vias
das grandes cidades

a carroça da mentira,
a mentira da carroça
vai levando no seu bojo
toda mentira deste mundo

junice, distância dessa carroça
que só tem em si e pra si
miséria, ignorância e mentira,
fica rodando em torno do sol,
levando nos no seu bojo
e toda desgraça deste mundo.

17. primeira edição

junice, nosso amor terminou
quando nem bem começou

isso é muito esquisito:
antes de imprimir
a edição esgotar.

16. menina borboleta

num outro planeta
tem uma menina que
voa como borboleta

saiu voando, voando,
ficou pequenina,
olhando-me-olhando
bem no alto do céu

que coisa estranha,
essa menina borboleta
constrói, feito aranha,
teias enormes, enormes

bem no alto do edifício,
pra me prender voando,
voar como borboleta
para o seu planeta.

14. a sonhar

porque, com que sonha, menina?
- não sabe?!
não tem cabimento,
uma coisa dessa, menina

se soubesse
sonhava mais mangas nos quintais,
doce de caju, melado e caldo de cana;
crianças brincando de esconde-esconde,
parentes nas redes e juras de amor
roubadas sem contemplação por menino vadio
como num sítio cheio de pomar, laranja
verde, madura, doce acre de dar arrepio,
beijo vermelho melado de beija-flor à vera...

- o sonho, menina, ninguém pode podar.

12. história tonta

junice, não fiques despenteada,
toda suja, toda imunda
roupa - fantasia rasgada,
que parece vagabunda

não, junice, não me abrace
que assim você me suja
junice, não me embarace
com esses olhos de lua

oh!, junice, porque fizeste assim?
agora vou ter que por um fim
nesta história meio tonta...
- ainda bem que te amo, guria sonsa.

11. despedida

gozado!
bem disseste:
basta que vasp,
para nos despedirmos

trágico!
bem falaste:
basta que vasp,
pra nos esquecermos
agora, não sei que fazer
se ao menos fosse mais ônibus,
menos táxi, ficaria pedestre,
não haveria então
viação aérea são paulo.*


10. castanhos

não sejas assim tão teimosa,
teimosia é defeito da rosa

não sejas assim tão zangada,
zanga é onda do mar contra a jangada

não sejas assim tão séria,
pois não vives na miséria

não andes assim tão depressa,
correr é para quem tem pressa

- onde estão teus olhos castanhos?
olha, isso é muito estranho, muito estranho...


9. olhos

junice já jantou,
prepara-se para dormir
está de joelhos junice
rezando pro menino Jesus

os olhos de junice
brilham no escuro
brilham e são castanhos,
se fossem gatos
brilhariam mais pirilampos

junice já jantou...

8. zêlo


eu mesmo me levava
um pouco cansado,
descrente,
desanimado...
não sei porque vi tantos livros
se mal posso comigo mesmo

e você mesma te levavas,
com sorrisos,
passos livres,
andares salientes,
olhos de olhar euforia...

tomara, menina, que não leias nada,
nem me encontre pelo caminho
porque hás de querer me levar

detesto zelo por mim!

7. coração incômodo

junice, sinto incômodo no meu peito!
- te incomoda amar alguém?

sinto incômodo no meu peito,
sinto meu coração incomodar
meu peito, agora, não tem
queda livre por ninguém,
nem mágicos, trapezistas,
corpo de baile, gols de letras
góticas e eu na arquibancada;
toca-discos, dicionários
e farmácias de plantões...
agora só tem esse trotar
cadenciado de querer-te bem...

- isso incomoda.

6. peito calado

junice, não entendo teu peito
sou brasileiro, não te entendo
brasilidade não basta,
é preciso algo mais:
assim como ser faraó,
adivinho ou menino

adivinho... é muito complexo;
menino... não sonho mais;
faraó... séculos já passaram

junice, não entendes meu peito?
ele é tão cuiabano calado,
sentado à tarde no quintal,
esperando histórias de fantasmas
que minha avó não conta mais.*

* Em Cuiabá, quando ainda não se tinha a televisão, as crianças sentavam em torno das pessoas mais velhas para ouvir histórias, fantásticas histórias de bichos encantados, espíritos, assombrações e fantasmas.

5. tristes

estes tristes pensamentos
vieram, com certeza,
dos pensamentos dela
uniram-se em tristezas,
em igualdade de forças
sem um casamento

o mundo a falar,
os não pássaros a cochichar:
- são amantes!
ficamos a rir da ignorância alheia
eles não vêem que amores precisam
de corpos vivos e febris
e nossos perfis estão tristes.

4. re-tratado

guardo no quarto
o teu retrato
porque assim foi o trato

venho, à tarde, cumprir o rito:
abro as janelas
para que apanhes um pouco de sol,
para que não fiques pálida

o quarto não é cela,
não és prisioneira;
és livre como permite
esta liberdade cheia de sentinelas.

3. pais

de onde tenho vindo
aconteceram dois amantes
e talvez não se amassem tanto
como fora imaginado além...

de tal maneira fiquei sabendo
sem saber o que passa em seu pensar
                                         meu pesar
por isso agora mudo de discurso,
qual não nos leva a lugar algum/nenhum.

2. outros fantasmas

a revolta que houve em meu quarto,
nunca pode se transportada ao peito;
sempre ouviste outras vozes, junice,
e não foram dos fantasmas feitos

sempre perguntaste sobre possível
sopro de alento, que ressuscitassem
mortos de nós, como o poder mágico
de menino inventor de encontros e adeus

sempre, sempre duvidaste do meu querer,
do meu encanto em fazer o amor se formar
das pequenas coisas - que não podes ver -,
como que seu eu fosse um simples pagão.

1. inverno mármore

junice, nossa carne está fria
fria como a inverno mármore;
como mármore de antigas mágicas;
como desmagias de vidas infinitas

vamos desfazer de nossos corpos
e deslembrar dos egípcios faraós,
escondidos em longos corredores
de estranhas pirâmides seculares

vamos levar os restos fúnebres,
sem esquecer de apagar os rastros,
para que ninguém encontre os ossos

de tão doídos amores transladados
junice, nossa carne está fria, gelada,
nesse arquivo, para sempre arquivada.

0.prefácio contraditório

tenho sentido - como é difícil sentir -
que o amor - um dia - fabricado dentro de mim,
foi de pouco apuro, passível de riso,
sem preocupação com o possível fim

essa contradição, junice1, não se percebe,
a não ser com uma enorme força de vontade,
em querer ver que o amor assim esculpido,
sem mãos artistas, logo, logo se acaba

se transforma em cinzas em outro território,
sem êxtase, adoração; enfim, sem a fúria inicial
e fazia-me perdulário, mesmo sem ter níquel
de qualquer valor. mas, ah! tinha o amor real

possuía o mundo - imaginava - e nada, nada podia
conter a alegria, verdadeira folia, em existir,
sem bens materiais, com apenas minha matéria
cheia de vida, desapegada dos deuses e demônios

hoje, em que pese tudo, leio em livros antigos
quais falam de amores autênticos como o meu,
e devem ter existidos, e igualmente morreram;
e foram raros os rastros, vestígios deixados

junice, tudo dentro do coração do serumano,
por mais puro, lindo, límpido, no fim fenece
não há, portanto, o amor infinito imaginado,
pelas teses felizes e românticas teorias.

1 O autor, não o eu-lírico, optou pela redação do nome da musa como Junice e não Jounice ou Jonice, como mais provável deveria ser. Junice é citada 86 vezes, cinco como Téca e 11 vezes como Têca .