Bolinha, o verdadeiro som do rasqueado

MÚSICA

O saxofonista, símbolo do rasqueado mato-grossense, participou de importantes obras da discografia regional

"João Batista de Jesus é o nome mais bonito". Quem afirma é o titular, proprietário do nome, conhecido também como Mestre Bolinha, que solta uma sonora gargalhada ao dizer isso, para depois completar: "João Batista Jesus da Silva. Eu nasci no dia da alegria, às 8 horas da noite, quando levantavam o mastro na casa de Dona Maria de Ferraz". Era festa de São João, uma das mais tradicionais da antiga Rua da Fé, atual Comandante Costa. 

A música está na raiz, ou mais modernamente, no 'gene'. Filho do legendário Mestre Albertino, músico primeiro sargento do antigo 16 BC (16º Batalhão de Caçadores), formador de bandas e descobridor de talentos, além de compositor, e de Dona Enedina Fernandes da Silva. Bolinha é herdeiro dessa cepa e aos 75 anos, pode-se ser considerado um dos maiores saxofonistas mato-grossenses e também faz parte da história da música regional. 

O primeiro contato foi com a percussão, com o pai. Depois, porém, foi estudar na antiga Escola Agrícola de São Vicente, atual Centro Federal de Educação Tecnológica de São Vicente (Cefet). O motivo era que Mestre Albertino não ganhava muito como sargento do Exército. Pois bem, perto da reforma, o pai começou a trabalhar na Escola e formou a primeira banda de música. O jovem Bolinha começa aprender a tocar o sax alto e integra o naipe das paletas. 

O sax alto teve, porém, uma temporada curta. No dia que Bolinha viu Ivonildo Gomes de Oliveira, o mestre China tocando sax tenor foi amor à primeira vista. "Fiquei louco ao ouvir o sax de China", que para ele era, de verdade, um mestre. Tocava no Bar Brasil, estabelecimento que ficava na Barão de Melgaço e de tanto 'perseguir' ele decidiu a ensinar a nova embocadura e seus macetes para executar um sax tenor aveludado. O respeito por Mestre China é tanto que Bolinha faz igual até os dias atuais. 

O pai, Mestre Albertino, após se aposentar do quartel, torna-se servidor da Escola Técnica Federal de Mato Grosso, contratado pelo então diretor, Coronel Octahyde Jorge da Silva. Bolinha começa também sua carreira de músico e torna-se sucessor do pai. O critério foi: "Filho de peixe, peixinho é" - e se torna regente da banda de música. Com distinção, conta que a banda da Escola Técnica chegou a ter uma formação de 65 figuras, jamais vista. A prova está no retrato na parede da casa, plantada em um lote de mais de 1000 metros quadrados no bairro do Ribeirão da Ponte, de herança paterna e na qual convive com a esposa, nomeada como seu anjo da guarda, Santina Silva. 

Antes de se casar nos anos 80, Bolinha ajudou a escrever a história da discografia cuiabana. Integrante da banda "Jacildo e Seus Rapazes" participa, com o seu sax tenor, de um dos discos mais cultuados do rock-roll local, o LP "Lenha, Brasa e Bronca". A aventura de viajar para São Paulo, praticamente sem dinheiro, numa velha Kombi, que patina nos atoleiros e funde o motor no meio da viagem, valeria um road movie. 

Ao entrar nos estúdios da Califórnia Discos pinta um problemão. A Ordem dos Músicos do Brasil bota banca e cobra a carteira de músicos. Os cuiabanos, que não sabiam da existência de tal instituição, se veem em apuros, pois a exigência quase pôs fim ao sonho de gravar o primeiro (e único) disco da banda. A saída foi gravar de madrugada, longe dos 'ouvidos' dos fiscais da O.M.B. Depois de integrar a "Jacildo e Seus Rapazes", participou de outra banda de sucesso, "Los Bambinos", que animava os bailes do Grêmio Antônio João. 

Depois de 35 anos de serviço, Bolinha se aposenta como mestre da Banda de Música da Escola Técnica. E passa a participar mais ativamente do movimento musical regional, sempre acompanhando os cantores e compositores da terra. Vera & Zuleika vão cantar no "Som Brasil", de Lima Duarte, na Rede Globo, e levam Bolinha para acompanhar. Participa da Rua do Rasqueado e desse processo de retomada do rasqueado, a partir dos anos 80.

O rasqueado cuiabano, segundo nos conta o historiador e musicista Milton Pereira de Pinho, o Guapo, em seu livro "Remedeia co que tem", tem suas origens após o final da guerra da Tríplice Aliança e o termo "rasqueado" está ligado a expressão "rasguear la guitarra", até se firmar com a legítima musical regional, tendo como precursores, entre outros, a Banda do Mestre Inácio, o Conjunto Serenata, Zulmira Canavarros, Dunga Rodrigues, Nardinho (acordeonista), Benjamim Ribeiro e o conjunto Cinco Morenos. 

Também fizeram história os compositores Honório Simaringo, José Agnello, Mestre Albertino, Vicente dos Santos, Tote Garcia, Luiz Cândido, Luiz Duarte, Mestre Luiz Marinho, Zelito Bicudo, Odare Vaz Curvo, Nilson Constantino, Namy Ourives, Dante Miraglia, Rabelo Leite, Gigo, Chilo e Mestre Bolinha. Herdeiro direto dessa tradição e seu mais legítimo representante. O ícone do rasqueado cuiabano. Junto com Pescuma e Moisés Martins integra a banda "Ventrecha de Pacu" e grava os CD's "Sentimento Cuiabano I e II", aos quais empresta o colorido de seus sopros. 

Encerrado o ciclo de Ventrecha de Pacu, Bolinha volta aos estúdios e grava o "Bolinha e seu Sax Cuiabano", com músicas de Metre Albertino (Paraíso de Dona Sinhá, Bugrinho na Farra, Lambari na Cuia e Meu Pedaço), Pititi-Patatá (Honório Simaringo), Luiz Fonseca (Sonho de Esmael); segue-se o CD "Tributo a Mestre Albertino", depois "Bolinha Recordando o Passado", no qual resgata trabalhos como "A Turma de Luiz Marinho", gravando boleros e choros. O último trabalho é uma referência os 73 anos, com doze faixas, com destaque para "Rasqueado em homenagem ao Mestre Bolinha". (Edição: Enock Cavalcanti)

24.04.2015

Fonte: Diário de Cuiabá

http://diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=470409

PS.: Publicado anteriormente no site da Secom/MT



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