Meu pai em silêncio

Meu pai está morto dentro do armário,
que nunca existiu em nossa casa.
Por estar lá, calado como um bule,
causa surpresa e ninguém sabe
a metáfora desse estar em silêncio.

Meu pai está morto dentro do armário
escuro pelo tempo que a tudo escurece.
Poucas pessoas sabem disso, mas as madeiras,
que guardam livros, louças e defuntos,
nada esquecem e registram na sua memória.

E de memória a madeira lembra
que meu pai não foi santo de pau-oco,
nem santo, nem pau-oco, apenas um comerciante
e se julgava esperto, entretanto foi enganado
pelo sócio padeiro que roubava trigo...

O armazém entrou em concordata
fechou as portas, foi à falência e meu pai
morreu do coração, pobre e desgraçado.

Hoje, ele se encontra no armário
e ninguém lembra de lhe perguntar
sobre seus amores idos, filhos
e o motivo de se encontrar quieto,
silencioso como um relógio
estragado que não faz mais tic-tac…


Nota de rodapé: Do livro Poéticas Menores & Poemas Controversos (1981-1990); publicado em 04/07/1993 no Caderno 2, do jornal O Estado de Mato Grosso; também no encarte do evento EdiçãoArte, de 15/07/1993.

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