Ivan Belém revisita Liu Arruda

Em tese que será defendida na UFMT, o fiel parceiro de Comadre Nhara mostra que Liu não foi um só, foi muitos

O ator, agitador cultural, pesquisador, ativista, historiador Ivan Belém, que completa justamente neste sábado, 21 de março, 55 anos, está prestes a se tornar doutor. Doutor em História. Em abril, mês de aniversário da capital mato-grossense, ele defende a sua tese de doutorado pela UFMT. O tema de sua tese, por sugestão de sua orientadora, Michèle Sato, é nada mais, nada menos que Liu Arruda. Para quem não conhece, Liu Arruda foi Liu Arruda, ponto. 



O título da tese é "Liu Arruda e a Identidade Cuiabana". Liu Arruda como tema, a principio pode parecer estranho, já que Ivan Belém foi parceiro de palco de Liu Arruda e, por anos a fio, quando a dupla dominava os palcos alternativos populares, em bares, restaurantes podem dizer que não há "neutralidade" por parte do pesquisador. Não existe mesmo. Ivan Belém descobriu uma corrente metodológica que reconhece que não existe 'neutralidade', inclusive nas ciências. 



O Liu Arruda que emerge na tese do doutor não é biográfico, mas um estudo, que se refere também ao próprio autor – que, de certa maneira, também é estudado. "Foi com esse olhar que pesquise por quatro anos a trajetória de Liu Arruda". A trajetória que está retratada de Liu Arruda tem o recorte da Cuiabá da década de 1980. Meados dos anos 80, quando Liu Arruda e Ivan Belém dominaram os palcos, eram referências do novo e genuíno humor regional e a capital vivenciava uma efervescência cultural sem precedente, nas mais diversas áreas artísticas. 



Liu Arruda, é bom que se diga, não é analisado individualmente, segundo Ivan Belém. Liu se destaca, mas ele é fruto de um conjunto de artistas que atuavam junto e ao mesmo tempo com ele. "A arte teatral, primeiro de tudo, é uma arte coletiva; segundo, Liu fazia parte de um grupo de artistas que ali estavam naquele momento". 



Esse momento foi quando a Casa da Cultura, sob o comando de Therezinha Arruda, professora universitária, tia do ícone político Dante de Oliveira, sempre apegada a um viés esquerdista ( tanto que hoje vive em Cuba, admirando o mar do Caribe) que, naquele período, deu um salto qualitativo e quantitativo de ações voltadas para a população marginalizada. 

Esse conjunto de atores, no qual participavam nomes como Mara Ferraz, Claudete Jaudy, Vital Siqueira, Augusto Prócoro, Wagton Douglas, Maria Tereza Prá e Meire Pedroso, formaram o Gambiarra, grupo que não fazia apenas teatro, mas dialogava com a dança, com a música – dentro do conceito ideológico pregado por Augusto Boal, do Teatro do Oprimido, de São Paulo. 



Foi nesse período que a 'identidade cuiabana' sofria seu mais duro golpe, que era o do preconceito por parte daqueles que estavam chegando de fora, principalmente em relação ao falar cuiabano. 



O falar cuiabano, por conta desses preconceitos, deu o grande mote para o grupo que fez questão de destacar o linguajar – aí entram também os atores/autores Luiz Carlos Ribeiro e Lucia Palma, que antes levaram ao palco "Rio Abaixo- Rio Acima Ou Ergue o Mocho e Vamos Palestrar", de teatróloga poconeana Glorinha Albuês, que participou do projeto Mambembão, patrocinado pela Funarte, órgão do Governo Federal. 



Voltando: o grupo acaba, Liu Arruda, em carreira solo, agrega outros elementos, como o teatro de revista, o besteirol, mas a questão da linguagem se torna quase que sua marca registrada, num ato de afirmação do linguajar cuiabano. "Esse trabalho – destaca Ivan Belém – ajuda o cuiabano a resgatar a sua autoestima". 



Ivan Belém conta que, por conta de suas pesquisas, Liu Arruda é apresentado como um bufão, ou resgate do bufão, que vem resultar na escola do palhaço, que aconteceu de certo modo em diversas partes do planeta, e Liu aqui fez parte, de forma inconsciente, desse movimento. 



O bufão, tinha lá seus defeitos físicos e zombava deles. Nesse resgate do século 20, os novos bufões, como Liu aqui em Cuiabá, gozava com a cara dos 'defeitos sociais' com muito, muito humor. 



Quanto ao artista Ivan Belém, o mais recente trabalho foi "Virgindade Contestada", texto de Luiz Carlos Ribeiro adaptado do conto de mesmo nome da escritora e roteirista Tereza Albues, em parceria com Ivan Vital e Romeu Benedicto. 



Quanto aos espaços culturais, principalmente teatro, Ivan faz críticas quanto a sua utilização. Segundo ele, ocupar o Cine Teatro Cuiabá é muito caro, "só com muito patrocínio". Ele diz que ainda não conhece o novo teatro do anexo a Assembleia Legislativa de Mato Grosso, dedicado a Zulmira Canavarros, e ainda não entrou no Teatro Universitário depois da reforma. Os espaços alternativos não abrem para o teatro, segundo ele. 

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