Uma coisa que falta em Cuiabá? Teatro!

Ator, diretor e produtor, Carlos Gattass cobra multiplicação de salas para espetáculos teatrais

O sonho de viver de apresentações teatrais, de bilheteria – que costumar ser o sonho de todo artista - é de difícil realização em Mato Grosso, especificamente em Cuiabá. Quem faz essa constatação é o ator, diretor, produtor de teatro de bonecos Carlos Gattass, o Carlão dos Bonecos. 

O fazer teatro, dentre as demais atividades culturais, é muito caro. Até se chegar com o produto pronto, acabado para se apresentar, o produtor (aquele que banca) já teve uma série de despesas, de custos inerentes as suas especificidades, pagamento dos artistas enquanto ensaia, aluguel e tal. E, depois de pronto, a realidade é mais dura ainda, segundo Carlão. "Cuiabá não tem espaços para apresentações dos grupos regionais", constata. 

Na sequência, para conquistar o público, o artista precisa de divulgação. Aí entra a questão do Estado, que não tem uma política pública de incentivo à atividade do teatro, em Mato Grosso e Cuiabá. Não existem espaços e ao menos apoio para divulgar – dentro de uma política macro – os trabalhos produzidos regionalmente. Os espaços cobrados por Carlão dos Bonecos vão além do Cine Teatro Cuiabá, do recém reformado Teatro Universitário e do novíssimo Teatro Zulmira Canavarros, anexo à Assembleia Legislativa de Mato Grosso. 

Os espaços citados pelo ator são espaços de altos custos e voltados para espetáculos que atraem grandes plateias. "Se você for ver, o único teatro em atividade é o Teatro do Sesc Arsenal. Mas é um teatro que atende as especificidades do próprio Sesc e não é aberto às outras produções", lamenta. 

São desses espaços alternativos que Cuiabá está carente e não se vê nenhuma busca pra suprir essa carência. Ou seja, Cuiabá precisa de teatros de porte médio e pequeno, em número suficiente para atender e acomodar os inúmeros grupos teatrais e ajudar na formação de público. 

Espaços onde o artista/ator/produtor/diretor pudessem fazer curtas temporadas e testar o espetáculo e, de forma efetiva, desenvolver uma política de formação de suas plateias. 

Carlão é muito cético quanto às apresentações 'gratuitas' de shows – em todos os níveis – para a formação de público. Para se formar público, com capacidade crítica, é preciso cobrar, segundo Carlão. Qualquer projeto que não tem a bilheteria como fim, não forma público. 

Carlão dos Bonecos conta que vivenciou a década de 80, quando Cuiabá passou por uma grande efervescência cultural, tendo o teatro como destaque, através da Casa da Cultura "Zulmira Canavarros". Cuiabá tinha uma rede de pequenos espaços alternativos nos quais os grupos podiam exibir sua arte. 

A melhor receita, segundo o bonequeiro, seria a prefeitura de Cuiabá adaptar os espaços existentes como ginásios de esportes, com um mínimo de infra para apresentações teatrais. Carlão diz que Cuiabá atualmente tem, no mínimo, 10 (dez) grupos que poderiam ocupar esses espaços, nos finais de semana, de forma rotativa. O que garantiria, sem muita mágica, uma intensa oferta de espetáculos para a população. 

Ele resume dizendo que Cuiabá hoje três grandes espaços teatrais, mas não tem nenhum teatro de bolso (embora ele não goste dessa denominação). São pequenos espaços, com capacidade para 150 pessoas. Num espaço desses, um espetáculo com um público acima de 80 pessoas já pode ser considerado um sucesso. Cem pessoas em um teatro de 500 lugares é um fracasso. 

Ele diz que, nas primeiras apresentações, teria aí, em torno de 10 pessoas, mas até o final desse circuito, já se teria um público em torno de cem ou mais pessoas por espetáculos. Essa seria uma politica real de formação. Voltando aos anos 80, quando ela fazia teatro, após as apresentações aconteciam os debates, o diálogo com o público, que era até uma forma de sondagem para melhorar as apresentações. 

Do mesmo jeito, Carlão dos Bonecos hoje é um crítico da política de incentivo desenvolvida em todos os níveis de governo, do federal ao municipal. Ele avalia que essa política contempla os projetos pessoais, que pouco ou nenhum retorno dão à sociedade, como os eventos, mega shows. 

Carlão dos Bonecos reconhece que a Cultura é agregada ao poder público e não se tem como sobreviver sem uma política de Estado. "Isso jamais entra no meu entendimento do Estado repassar dinheiro para o artista". Para ele, a função do Estado é criar espaços, amostras, circuitos, dar publicidade, possibilitar condições técnicas para que o artista possa viver das bilheterias. 

Teatro e a História 

Carlos Gattass vem realizando trabalho muito miúdo, fazendo cenário para um grupo que tem ligações com instituições que facilitam a sua feitura. Fora isso, nada mais. Um dos últimos trabalhos com seus bonecos foi o "Retábulo Mestre Pedro", com a Orquestra de Mato Grosso, um trabalho de adaptação da obra de Miguel de Cervantes, direção de Sandro Lucose. 

Depois de encerrada a temporada de 12 apresentações, para dar continuidade, Carlão dos Bonecos, fez uma readaptação e conta a história do rapto da filha de Carlos Magno, que é "Milesendra", que Dom Quixote pensava estar vendo no espetáculo anterior. Um trabalho no qual ele pode mostrar todo o seu potencial, não apenas de bonequeiro, mas também como ator. 

O teatro – segundo Carlão – ajuda nessa leitura, inclusive histórica de um povo, de uma cidade e mesmo de uma nação. Muitas pessoas não sabem quem foi Miguel Sutil, que empresta o nome ao primeiro anel rodoviário de Cuiabá. Para quem perguntar "onde ficavam as lavras de Sutil?", o resultado pode ser mais catastrófico ainda. O teatro pode auxiliar nesse trabalho de resgate e ensinar história. 

Fonte: 29.03.2015 http://diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=469144

Nenhum comentário: