João Elóy desafia o massacre cultural

Cantor de rasqueado faz de seu programa na TV uma trincheira de resistência da música regional

"A nossa prioridade é o povo pantaneiro, o povo ribeirinho", afirma o cantor, compositor, médico e professor aposentado da UFMT, pesquisador historiador de Chapada dos Guimarães, João Eloy de Souza Neves, ao iniciar a falar de seu programa de televisão "Varanda Pantaneira", que este ano completa 9 anos de ininterruptos no ar. Em junho, Eloy vai comemorar os 70 anos de vida e 30 de carreira artística. 

Essa prioridade é para enfrentar o quarto massacre cultural pelo qual ele garante que estamos passando. O primeiro massacre – segundo João Eloy – foi o dos portugueses, quando desembarcaram nesta terra brasilis e deram início ao genocídio indígena, enquanto o segundo aconteceu quando aqui chegaram os garimpeiros "detonando o meio-ambiente e mandando todo ouro para Portugal". 

O terceiro é marcado pela chegada dos migrantes gaúchos e paranaenses em Mato 

Grosso, na década de 70, "detonando todas as nascentes e nivelando tudo pela monocultura" e, finalmente, ele identifica que o quarto massacre "é a imposição de ritmos da Bahia e do interior São Paulo – que vão do hip-hop, fanque até o vaneirão – sob a justificativa da diversidade cultural de Mato Grosso". 

João Eloy ressalta que os ritmos mato-grossenses foram elaborados – em quase 300 anos de processo cultural – pelos índios e negros. Todos sabem (ou deveriam saber) que o cururu, o siriri e o rasqueado são manifestações autóctones, que vem das nossas mais profundas tradições. 

A consequência de tudo isso é que a cuiabania se vê descriminada em todos os aspectos. "Coloca aí, moradia, saneamento básico, saúde, lazer, além da Cultura". João Eloy recorda o caso de um empresário que, anos atrás, anunciou num cartaz que estava contratando, mas para as funções citadas não se aceitava cuiabano. "Não queremos cuiabano", dizia o cartaz. Ele recorda também a 'antológica' frase de Blairo Maggi, quando assumiu o governo e disse: "Vou descuiabanizar o poder". 

Nesse meio, ele abre um parêntese para fazer um resgate do governo Dante de Oliveira. Lembra que Maggi dizia que iria abrir a "caixa-preta" do Fethab e o Fethab está aí, como tábua de salvação dos governos do Maggi, Silval e mesmo Pedro Taques. Hoje todos estão brigando pelo Fethab, uma criação de um cuiabano de visão: Dante Martins de Oliveira. Fecha parêntese. 

Nesse resgate da autoestima do cuiabano, o "Varanda Pantaneira", na TV Rondon, é ponta de lança, ao apresentar a música regional, a dança do siriri, o rasqueado e a culinária cuiabana. No programa já se apresentaram mais de 50 artistas, o que resultou na produção do quarto DVD da carreira de João Eloy, "Rasqueadeiros do Varanda Pantaneira". 

Por conta do "Varanda", hoje se sabe que o rasqueado não é apenas João Elóy, Pescuma, Henrique & Claudinho, Roberto Lucialdo, Bolinha. Ele cita como exemplo os artistas Elpídio Jucá, Claudia Siqueira, Taís Serra, Netinho de Oliveira, Matheusinho dos Teclados, João & Junior, Belita Lira, Nádia Neves, Semite, Meire Pinheiro, João Lira e Simone Reis, entre outros. "Esses artistas são garantia da continuidade do rasqueado. 

O rasqueado, além de estar na alma do artista João Elóy, ele gosta de dizer que está seguindo a receita da pop-star Ivete Sangalo que, em uma dessas últimas edições do Festival de Inverno de Chapada dos Guimarães, quando um artista 'bobó chera-chera', no palco disse pra ela que sabia cantar todo o repertório da musa baiana, se virou e disse: "Cante a sua terra. A minha música já e conhecida no mundo todo". E João completa: "É o regional que alimenta o universal" e cita os clássicos "La Bamba", "Galopeira", músicas do folclore regional que se tornaram mundialmente conhecidas. 

Ao perscrutar as nossas raízes, João Eloy nos trouxe o "Engenho novo estremeceu/ Garapa é meu, bagaço é seu// A canoa virou, tornou revirar/ Dona Maria não soube remar", colhida do nosso folclore. João Eloy conta que essa melodia ouviu ainda na infância, na voz de Alexandre Pinto da Silva. Esse velho fazia a reza cantada. Depois tinha o cururu, levantamento de mastro e siriri. Que faziam o bailão. No intervalo, pra descansar, cantava "Engenho novo...". O resto da história todos já sabem. Hoje é música obrigatória no seu repertório e de outros artistas mato-grossenses. 

O cantor, em trinta anos de carreira, tem também 15 CDs gravados. O pesquisador tem dois livros da história de Chapada dos Guimarães – o primeiro editado na década de 80, quando Chapada ainda era o maior município do mundo. A segunda edição, ampliada, recebeu o título de "História Atualizada de Chapada dos Guimarães", editada pela UFMT, inclui o festival, Manso e Salgadeira. O poeta está com um terceiro livro no prelo: "Ressonâncias Poéticas", que deverá sair pela editora Entrelinhas, ainda este ano. 

Este ano – o empreendedor – que nos anos 70, em Chapada, inaugurou a boate Patucha, acrônimo de Panorama Turístico de Chapada, agora volta e, em junho, junto com o lançamento do DVD, abrirá, em Cuiabá, o Clube do Rasqueadeiros, um espaço voltado para a música regional. (Edição de Enock Cavalcanti)

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