Ao
redor do corpo morto
roncam
moscas famintas...
O
corpo é de um homem
e
morreu com fome
morreu
faminto
morreu
esperando
comer
melhor um dia
E
morreu sonhando
com
feijão com arroz
e
bife mal passado
E
morreu trabalhando
por
um salário de fome
morreu
desesperado
em
deixar mulher e filhos
desesperançados
II
Sim,
o carro atropelou,
mas
se o homem não estivesse
com
muita fome
talvez
isso não teria acontecido
III
A
mulher, agora viúva,
vai
se acabar mais ainda
A
filha jovem e bonita,
que
trabalha no emprego barato
e
com esforço estuda à noite,
será
outra vítima da ausência do pai
IV
A
viúva vai lavar mais roupa
a
filha mais velha prostituir-se
o
filho menor um trombadinha
V
Até
o momento a polícia
não
veio para fazer o B.O.
do
homem que morreu atropelado
e
se não estivesse faminto,
sabe-se
lá, não teria morrido
Tampouco
o camburão do IML
-
Instituto Médico Legal -
para
recolher o corpo do homem
que
morreu atropelado
porque
estava com fome
Os
familiares também não vieram
por
que ainda não sabem
do
pai, marido atropelado
quando
atravessava a rua
e
estava com fome
VI
Não
é a fome do dia, do meio-dia,
mas
a fome acumulada dia-a-dia,
a
fome juntada com outras fomes
A
fome de milhões de homens
de
milhares de dias,
de
centenas de anos,
dezenas
de séculos
e
diversos povos...
Milhares,
centenas, dezenas,
diversos
tempos,
desde
o primitivo segundo
VII
Alguns
pedestres,
-
transeuntes da vida -
semelhantes
ao homem
que
agora está morto
anotaram
a placa do carro,
mas
não têm tempo
não
podem esperar
a
polícia chegar...
Foram
embora com fome
que
a fome nos persegue
e
nos leva, levando
pelos
mesmos (des)caminhos.
#SonhoDeMenino
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