“O Cambista” hoje na Academia

O primeiro romance de Eduardo Mahon da inusitada compra e venda de segredos e será lançado nesta terça, na Casa Barão 

JOÃO BOSQUO
Da Reportagem

O escritor Eduardo Mahon, neste quatorze de abril, terça-feira, lança o livro "O Cambista". É bom que se diga que o escritor não tem nada a ver com o jurista, causídico e articulista de inumeráveis artigos em jornais da nossa capital, principalmente neste DC. Esquece. O escritor, também não tem nada ver com o poeta de haicais ligeiros, reunidos em uma brochura sem numeração de páginas e que recebeu o título de "Meia Palavra Vasta". Não. 

O escritor de agora está a distância quilométrica do escritório de advocacia, um dos mais requisitados de Cuiabá, localizado no bairro Quilombo e mais próximo do contista que, ano passado, também conhecido como 2014, publicou o livro "Doutor Funério e Outros Contos de Morte" e, podemos assim dizer, foi uma espécie de treinamento para o romance que chega às mãos dos leitores na noitada de logo mais. 

Mahon nos conta que o gosto pela literatura sempre existiu, um pouco por imposição paterna ao orientar "leia os clássicos". E leu a literatura russa, alemã e brasileira. De Machado de Assis, passando por Euclides da Cunha, os Sermões de Padre Vieira; enquanto o 'fazer literatura' começou por agora. Depois de ultrapassar as portas da Academia Mato-grossense de Letras. Atualmente é o presidente da Casa Barão de Melgaço. 

Conta ainda ter sentindo essa necessidade de escrever além das escritas jurídicas. Mato Grosso, para ele, reclamava uma literatura mais ampla do que a literatura essencialmente jurídica. E a partir desse sentir se impôs a estímulos para escrever fora do juridiquês. Ele lembra que os jornais, anos atrás, abriam espaços para os artigos que chegavam a ocupar até meia pagina. 

Com o tempo, porém, isso foi mudando. Começaram a acontecer limitações de números de parágrafos, linhas, paicas e toques que dificultam os artigos técnicos e esses pequenos espaços foram ocupados – não por crônicas, mas, por contos, minicontos e Mahon passa a ser reconhecido nas ruas, coisa que nunca acontecera antes. "Os contos eram mais lidos que os artigos técnicos que escrevia. E pessoas diziam ter lido determinado conto e se identificado com este ou aquele personagem", narra. 

Esse reconhecimento funcionou como mais um estímulo e se dedicou a escrever contos, micro-contos, com quatro ou cinco parágrafos. Dessas escrituras surgiu a seleção "Nevralgias", uma coletânea de contos e poemas; e "Dr. Funéreo", apenas contos. 

Ainda assim, segundo Mahon, Mato Grosso pedia mais e acabou pintando a ideia de um romance e, mesmo diante das dificuldades de um romance, com seus diversos núcleos narrativos, e ele acabou se impondo o dever de 'lavrar' a obra dessa envergadura. 

Aqui, neste trecho, – atenção leitores – vamos cometer um spoiler e revelar como a história acaba. O fim do romance está no primeiro capítulo (que não tem número) apenas e tão somente o singelo e revelador título "O Fim". Sim, fim. Como acontece o fim da história? Com a morte da personagem principal, simples, assim. 

Por ora – agora quem fala é este repórter – podemos dizer que o escritor encontrou uma solução para a abertura de seu romance, que é sempre uma dificuldade. Muitas das vezes o leitor abandona o livro no primeiro parágrafo. Essa atração deve acontecer nas primeiras linhas. Chamar o leitor para a leitura, sem coerção, é o segredo. 

As duas aberturas clássicas que conheço – muitos concordam com isso – são as de "Dom Casmurro", de Machado de Assis, e "Cem Anos de Solidão", de Gabriel Garcia Marques. "Nonada", em "Grande Sertão: Veredas", de João Guimarães Rosa, é uma provocação diante da qual muitos leitores – se não fossem os livros de teoria da literatura – estariam boiando até hoje, procurando saber o que quer dizer 'nonada'. 

Eduardo Mahon, depois de 'escrever' a história de forma linear – início, meio, fim – em sua cabeça definiu como o romance seria estruturado ao seu jeito, ao seu estilo. Capítulos curtos, com poucos parágrafos, que pudessem ser lidos de forma ligeira, enquanto a narrativa se fez fragmentada, com flashes, cujo desfecho de cada personagem é revelado sempre antecipadamente. 

"O Cambista", cuja narrativa se passa em um país do Leste Europeu – pode ser a Rússia, Ucrânia, Eslovênia, sei lá – o qual, de certa forma, vive um clima tanto quanto opressivo, não político, mas espiritual. Não, claro, como aquele de "O processo", de Kafka. Mas também se aproxima, em certos momentos, um pouco desse nosso jeito, só que sem sol. 

A indefinição do local e do tempo é proposital, explica o autor. Não se poderia contar a história do comércio – compra e venda – de segredos em um país como o Brasil. Aqui, vamos convir, ninguém gosta de guardar segredo. Quando uma pessoa fica sabendo de alguma coisa ela corre para contar, em primeiro lugar, pra torcida. No meu caso, pra do Botafogo ou do Mixto, quando o 'segredo' não tem tanto interesse assim. 

E o profissional de câmbio de segredos – ou cambista – que é quem faz a avaliação do valor de cada segredo que as empresas (como casas de penhor) avaliam se vale a pena ou não investir, jamais seria um brasileiro. 

O livro não é autobiográfico e não se conta nenhum segredo da profissão, como fez o jurista Saulo Ramos, com o seu "Código da Vida", no qual romanceia um caso de litígio familiar, entremeado por revelações surpreendentes. A mais dura delas o rompimento com o ministro Celso Melo. 

Voltemos ao nosso Eduardo Mahon: Nesse país e período histórico indefinidos e sem qualquer outra referência, até mesmo de língua, as empresas de compra e venda de segredos disputam esse competitivo mercado. O 'cambista', o protagonista Erick Plum, se sobressai dentro da sua empresa, chegando a sócio, ao criar uma fórmula matemática de avaliação da qualidade de um segredo, para não ficar apenas no feeling dos cambistas. Chega de spoiler. 

A pergunta retórica do autor é "até que ponto as pessoas podem negociar valores e os valores mais íntimos de outras pessoas. Até que ponto podemos, nós, abrirmos mão da nossa intimidade?". Essa discussão, ele reconhece, já existe no mundo atual, com os paparazzis – que define como voyeurs bem pagos; assim como a comercialização de órgãos já está lá regulamentada. O comércio de segredos, a maior de todas as intimidades, não tem uma regulamentação. Tem uma aceitação ou repulsa (?) narrada, mas não definida. 

A edição do livro é um resultado de uma parceria com a editora Carlini & Caniato, a mesma que editou os livros anteriores. Segundo ele, enquanto Elaine Caniato fica em São Paulo, fazendo um diálogo, colocando os livros nas mãos de críticos e editores. Ele cita como exemplo de sucesso dessa parceria o lançamento do livro anterior, "Dr. Funéreo", que, na noite de autógrafos, chegou a vender 500 exemplares, suficiente para pagar os custos de edição. 

Segundo ele, Mato Grosso dispõe de duas grandes editoras comerciais, mas seus livros não ultrapassam as fronteiras do Estado. Esse é um problema de distribuição. "A produção literária é boa, mas a distribuição muito ruim", afirma.

Eduardo Mahon é contra a denominação de "literatura regional". Segundo ele, esse estande deveria ser abolido das livrarias. "Literatura é literatura e pronto. O que importa é a qualidade das técnicas literárias". 

Ele confessa não ter lido o livro depois de pronto e acabado. A última leitura foi antes de ir pra gráfica. Como diz Monteiro Lobato, os erros o escritor não consegue ver antes e, depois do livro pronto, eles saltam nas páginas feito Saci Pererê. Mahon, claro, vai notar essas pequenas falhas, deslizes de amarração textual, quando ler para uma segunda edição. Esperamos que seja breve. 

Para fechar, Eduardo Mahon lê as primeiras linhas do primeiro capítulo de seu próximo romance, que tem o título provisório de "Autobiografia de Paul Zimermemman", cuja autoria seria de Stephen Bosch, que está preso em um manicômio e conta sua história de cientista que criou um método de migrar para vários corpos. Ah!, sim, esta história vai ter elementos biográficos de Eduardo Mahon.
 
14.04.2015 

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