Vera Capilé, cuiabana graças à arte

O espírito artístico sempre levou esta grande artista a se ligar às mais autênticas raízes musicais da região 

JOÃO BOSQUO
Da Reportagem

Quando a família Capilé chegou em Cuiabá, lá na década de 60, oriunda de Dourados, hoje Mato Grosso do Sul, Vera Capilé tinha apenas 11 anos. A mudança aconteceu porque o pai, João Augusto Capilé Jr, o Sinjão Capilé, veio para a capital para assumir a Comissão de Planejamento e Produção (CPP), no governo de Fernando Corrêa da Costa. 

Cuiabá, vamos pontuar, não acontecia por acaso na vida daquela menina – de certa forma a mais traquina dentre os oito irmãos, já que trazia nas veias o gosto musical herdado do pai, que vivia tocando violão, com os amigos, dentro de casa. Tanto lá em Dourados, onde o pai foi prefeito e vereador, como aqui, na Cidade Verde. 

"Meu pai era um violeiro, sempre vi cantando, tocando em casa, em reunião com os amigos", conta. Quando chegava do campo, no fim do trabalho, chamava a filha mais atirada para cantoria. Enquanto isso ia aprendendo a postar a voz e, aos cinco anos, se apresenta pela primeira vez em programa de Rádio Clube de Dourado, na cidade natal. 

"Já contando musica de adulto, porque naquela época não se tinha preocupação de criança cantar música de criança. Cantava o que aprendia e aprendia bolero, samba-canção, guarânia, polca paraguaia – o que tinha dentro de casa para cantar". As músicas em castelhano, quem ensinava era a prima, concomitantemente, enquanto aprendia a falar em português daí a facilidade para as músicas nas línguas latinas. 

O primeiro endereço foi num hotel, na Cândido Mariano, a primeira escola a Santa Rita e o primeiro contato com a música foi quando ouviu os acordes da banda da Bandeira de São Benedito, quando ia para aula. As outras irmãs preocupadas em não se atrasarem, enquanto ela corria atrás do som para o primeiro contato com bandinha... De quem era a banda? Ficou a curiosidade, nunca descobriu. 

O Hino de São Benedito, porém, hoje faz parte de seu repertório, sendo uma das referências, desde que gravou um CD em vocalise e já confirmou presença na missa de São Benedito deste ano. 

O endereço definitivo, depois do hotel, "era ali, no Beco do Urubu", quase no final da Prainha, daqueles tempos. Nas redondezas, ficava a Rádio A Voz d'Oeste, na Praça Ipiranga, cujo prédio deu lugar para uma dessas lojas de eletrodomésticos. 

A Voz d'Oeste, sempre é bom lembrar, tinha um programa de calouro, com auditório, ao vivo, e ela se candidatou a participar. Um teste com os maestros China e Penha, que cuidavam da parte musical, não aconselharam o concurso, por que consideram uma 'cantora madura' e, sim, fazer uma participação especial, na abertura e encerramento do programa. Essa participação era escondida da família até que um dia a mãe, Romaria Milan Capilé, Dona Roma, a mandou seguir. 

Aos 15 anos, por um ano e meio, Vera fez o programa Seresta na Noite. Adolescente, se torna conhecida e recebe um inusitado convite da RCA Victor para gravar um long-play. A empolgação foi por agua abaixo com o veto veemente da mãe que não deixou viajar – pouco por conta do preconceito com as cantoras do rádio. A possível carreira de cantora acabou. Não cantou mais em público, embora continuasse nas reuniões de família, seguiu-se o casamento, filhos (Flávio, Juliana e Andreia) e só voltou aos palcos duas décadas depois, pelas mãos do empresário Jaime Okamura. 

Okamura abrira um bar, tipo barzinho, aconchegante, com uma proposta diferente, dentro daquela realidade que Cuiabá vivia: o Passatempo. O estabelecimento se localizava na Praça Oito de Abril, a mesma onde, do outro lado, fica o Choppão. Okamura insistiu e Vera aceitou fazer um espetáculo em comemoração a um ano do buteco, junto com o hoje acadêmico Ivens Cuiabano Scaff, com o simpático nome "Entre Amigos". Foram dois dias e a casa lotou. Vera Capilé diz que foi uma emoção muito grande. "Quando subi no palco fora como se tivesse deixado ele ontem". 

Esse retorno aos palcos marca o reencontro com o público. Era uma fase difícil – divórcio – e a aproximação com Liu Arruda - que também se apresentava no Passatempo e depois vem fazer o Nó de Cachorro - 'puxava' a artista para participar de seus espetáculos e retoma o gosto, sempre cantando e se apresentando onde tivesse oportunidade, sendo o Chorinho um desses espaços. 

Dessa continuidade de aparições partiu a ideia do primeiro CD, incentivada pelos irmãos Ernane e Ulisses Calhao, do Muxirum Cuiabano, que indicaram Abel dos Anjos (que atualmente assina Habel dy Anjos), que foi o produtor, enfim, do primeiro trabalho em estúdios, lá no ano de 1996. Seguiu-se a banda formada por Mario Bertúlio, Bené Cintra e Fabinho – violão, baixo e percussão.

Em 2000, com a direção do maestro Fabrício Carvalho, grava o segundo CD, e já se profissionaliza como artista, com carteirinha (carteirinha por conta deste repórter) da Ordem dos Músicos, empresário que, no ano de 2003, pediu para encaminhar uma amostra de trabalho dela para o projeto Pixinguinha, que ela fez de forma despretensiosa. 

Não é que foi escolhida para participar do projeto em 2004? Foi para o Rio participar dos ensaios com Renato Braz e Simone Guimarães e fizerem, incluindo Brasília, oito cidades no Norte e Nordeste. Com os dois, Vera desenvolve uma relação próxima, participando de diversos shows em São Paulo, e eles estiveram aqui fazendo o Festival de Inverno de Chapada dos Guimarães. 

Vera Capilé podia levar um convidado e esse convidado foi nada mais, nada menos que Habel Dy Anjos, com sua viola de cocho. A participação foi um show e veio convite da própria diretora da Funarte, Ana Buarque de Holanda, que depois seria ministra da Cultura, para participar do Ano do Brasil na França 2005. "Pode preparar o passaporte", disse. 

Mesmo sem gravar nenhum CD individual, vinha participando de inúmeros trabalhos, eventuais shows e, finalmente, a compositora começa a aparecer. Essa nova fase ela credita aos netos - Gerson, Giovanna e João Pedro – a inspiração, em especial Cirandando, que dá título ao CD, gravado em 2011. 

A compositora mora em um sítio, com o pai, nos arredores de Cuiabá e lá é que encontra um monte de inspiração para a poesia cantada, como "Filhote deste lugar", sobre um sabiazinho que caiu em seu quarto e ficou lá até ter forças pra voar. 

Vera Capilé diz que tem uma relação especial com Cuiabá, pois é oriunda de uma cidade – Dourados – que não tem todo esse folclore que aqui se vê, ouve e sente. A primeira imagem de Arte que tem de Cuiabá é aquela contada lá no início deste texto, que a levou a descobrir o Hino de São Benedito. "Cuiabá tem esse colorido todo, da arte universal". 
12.04.2015 

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