Aline Figueiredo não tem sossego e luta por anexo do MACP

A construção do anexo do MACP da UFMT irá revitalizar o acervo do museu e melhorar a animação cultural

JOÃO BOSQUO E ENOCK CAVALCANTI
DIÁRIO DE CUIABÁ – DC Ilustrado

“Pensa numa pessoa que não tem sossego”. Assim começa o nosso diálogo com ela que é a maior referência em crítica das artes plásticas contemporâneas no Centro Oeste brasileiro, conceituada no cenário nacional, animadora cultural e escritora Aline Figueiredo. Poderia responder: quem quer sossego não deve trabalhar. Aline Figueiredo, ao contrário, parece não uma formiga mas um formigueiro em intensa atividade nas 24 horas do dia.
A partir da acolhedora casa sombreada por plantas diversas, esculturas ao redor, rodeada de livros sobre artes, uma pinacoteca particular, na rua Sírio Libaneza, no Bairro Popular – que outros gostam de chamar de Goiabeiras – e que resiste de edifícios que se multiplicam em derredor, Aline Figueiredo escreve seus textos, livros, resenhas, faz suas leituras com a dificuldade que a visão lhe impõe, precisando de uma pequena lupa para ler… Imagina.
Essa mulher, às vésperas de comemorar os 70 anos, desassossegada, que há 40 anos atrás criou o Museu de Arte e de Cultura Popular da nossa Universidade Federal de Mato Grosso, está agora à frente de uma nova batalha: pela construção do anexo do MACP, para que o acervo possa ganhar vida, ao ficar exposto permanentemente.
Aline explica, mostrando a foto da maquete realizada por Rubens Florêncio, a partir do projeto arquitetônico de José Afonso Botura Portocarrero, a localização pretendida para integrar inclusive a praça que hoje, segundo a sua avaliação, está muito mal resolvida. O anexo terá perto de 300 metros quadrados para abrigar tudo que o acervo reúne, ate agora.
“Hoje temos um espaço muito bom, com 300 m² para grandes exposições, mostra transitórias mas não temos um espaço para mostrar o acervo ao público de forma permanente. Do jeito que tá hoje, ou se coloca uma exposição ou se coloca o acervo e assim não tem animação que sobreviva”, diz.
O acervo do MACP, digamos, tem uma importância estratégica no panorama das artes e da cultura popular de Mato Grosso. Lembrando, o museu foi criado em 1974, quatro anos após a fundação da UFMT, e ele, segundo Aline, “foi o ativador principal que acionou uma alavanca de animação cultural em Mato Grosso”.
Ela destaca ainda que foi a partir do MACP que se começou a constituir a Fundação Cultural de Mato Grosso, extinta para dar lugar a secretaria de Estado de Cultura, em suas diversas formas, hoje coligada com a antiga secretaria de Esportes e Lazer.
Aline Figueiredo meio que se revolta, mas reconhece essa nossa fraqueza de acabar com o que existe para começar tudo do zero. Ela lembra que, no Paraná e Santa Catarina, por exemplo, existem salões de arte desde a década de 30 e quanto mais antigo o salão, maior referência histórica e credibilidade.
Abre-se um parêntese, por conta deste jornalista: Mato Grosso tem o feio hábito de exterminar o que foi criado no passado para que o exterminador possa se proclamar como criador do novo. Foi isso que aconteceu com o Salão Jovem de Arte Mato-grossense de importância fundamental para o desenvolvimento das artes plásticas. Cito o SJAM, como poderia citar tantos e tantos outros projetos interrompidos ao longo da nossa trajetória, sendo o mais recente deles o Festival de Pesca de Cáceres, ano passado, e o Auto da Paixão de Cristo, este ano. Fecha-se o parêntese. Voltemos à Aline.
Ela conta que o MACP surgiu com a proposta de ser multidisciplinar, com cinco pontos: a atualização da arte brasileira, apoio ao artista mato-grossense, o estudo do Centro-Oeste, a valorização da cultura popular e o estudo do indigenismo, tudo de forma integrada, nenhuma dessas áreas sendo estudada de forma paralela ou estanque.
Como resultado dessa ação multidisciplinar, de interação com a sociedade, lembra a enchente de 1974, quando a região do Porto ficou submersa, desabrigando milhares de cuiabanos, principalmente moradores dos bairros do Terceiro, Terceiro de Dentro e São Gonçalo. Em São Gonçalo a enchente destruiu grande parte dos fornos dos artesãos, que foram recuperados por iniciativa do MACP. Na parte do Centro-Oeste, resultou o livro “Artes Plásticas no Centro-Oeste”, de 1979, com mais de 769 verbetes.
A preservação da cultura popular recebeu também a contribuição do museu e não é por acaso que está lá: Museu de Artes e DE Cultura Popular. Aline lembra que, em 1974, Cuiabá estava na iminência de receber essa corrente migratória gigantesca que aconteceu e se não tivesse feito uma valoração da cultura popular, segurar as suas raízes, hoje não estaríamos mais comendo a mojica de pintado. Ah!, é bom que se diga que o MACP não se fechou em si, não. A abertura para o novo, ser receptivo, também foi, segundo a desassossegada mestra, uma das marcas no novo museu.
Assim ele foi e assim é. Aline explica que o Museu de Artes e de Cultura Popular precisa hoje desse anexo, para ter sua atuação mais completa, mais fechada, mais determinada. “Sabe por quê? Por que esses outros nossos órgãos não tem uma política de animação cultural”.
A secretaria de Estado da Cultura, segundo Aline, “parece que, desta vez, tem um secretário que é da área de cultura, parece que vai melhorar. Atualmente não tem uma política definida, de continuidade”. Essa falta de definição, pelo que assegura, é muito ruim. Na mesma hora que se vê uma exposição de qualidade, logo em seguida vem outra que deixa a desejar.
E com a mostra permanente do acervo do MACP poderá se entender melhor a extensão, a complexidade e a própria evolução das artes plásticas de nosso Estado. “Sem ver não tem como”, é taxativa.
Qual é a dificuldade para se construir esse novo anexo?, pergunto. “Iiiih!, total, total”. Primeiro se diz que não tem dinheiro. Mas, como todos sabem, tem tanta coisa que se diz que não se vai fazer e, de repente, está feito e o que se diz que se fará não sai do papel. Mas a esperança, sim, a esperança, é a última que morre e o Anexo do MACP, prevê com um sorriso Aline Figueiredo, será construído.

Fonte: Diário de Cuiabá

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