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Primeiro e Último Recurso

A prece, irmão, é o nosso primeiro
e último recurso na face da terra

Quando amanhece, bem cedinho,
devemos voltar nosso pensamento
para o nosso irmão maior, Jesus
pedir serenamente que interceda
por todos nós junto ao nosso Pai

Não devemos nos esquecer, em prece,
de agradecer a Deus pela infinita bondade
em atender aos pedidos mais singelos
sem nada exigir em troca, senão apenas
a caridade, piedosa caridade, com os demais

O Que o Morto Leva?

O morto não leva nada
Nada vezes nada
Material nenhum:
Anel, aliança
Cordão de ouro...
Ou quaisquer medalhas
Símbolos de seu orgulho

Sabores

Não sei descrever os diversos sabores
que existem na natureza das frutas
Sei senti-las de diversas memórias...

As mais marcantes são aquelas da infância,
colhidas nos quintais, com mãos trêmulas
sem querer amassar a manga perpitola...

Quando chupo manga, lembro, por exemplo,
do dia em que quebrei o braço esquerdo
no transcorrer duma partida de futebol de salão,
depois da missa no Colégio dos Padres,
ao dividir com Remo que entrou de sola

Primeira Vez

Da primeira vez, muito além do vazio,
Que me vi como num espelho,
Tentei um sorriso e meio
E quis enganar-me aos olhos...

Da segunda vez, embora triste,
Um tanto quanto solitário e só,
Busquei dentro de mim
Uma lenda e lembrei-me de você...

Segundo Ato

Quem é que é, José,
O bicho papão da parada?
O salário do servidor
Ou os juros do sistema?
O benefício do aposentado
Ou o rombo nos cofres exauridos?...

A Alma Aponta

A alma aponta o destino,
bem antes, muito bem antes,
do corpo nascer

Depois desconhece a escolha
re/clama
por um outro dia.

Relógio

A poesia neste momento é tão difícil
Tão difícil de sentir, de fazer sentido
Tudo, sem pecha, está tão parecido,
igual no filme, mocinho e bandido,
com o mesmo traje multicolorido.

A poesia neste momento é fugidia,
não se segura em nenhuma nova rima
que não se vê nem à luz do meio-dia

A poesia, senhores, é proletária,
de extraordinário nada tem, retardatária
sempre a um passo aquém do além

O Poeta Quem Diz

Poeta que não sabe o que diz
é um poeta que não sabe o que diz
Poeta que não sabe quem é
é um poeta que não sobe escada

É um poeta que sabe que
não sabe que finge que sabe
que não sabe e sabe o tempo tonto

Poeta que não diz o que pensa
não pensa o que diz o que diz
que pensa o que diz que pensa

Início, meio e fim

Tudo tem um início, meio e fim
O começo do início
só termina depois que passa o meio
e tem também, por sua vez,
início, meio e fim

Nunca, nunca como nunca,
Percebemos o mais difícil,
O início do fim
Quando o fim começa
não sabemos que começou,
e vai se acabando no seu início
antes de começar o meio
para se chegar ao fim

O meio do fim,
meio que começa
antes do fim do início
e meio que se prolonga
para nos confundir
até ao meio do fim
que teima em não começar

Philosophia

A Neneto Sá

Poesia sem filosofia não é poesia,
diz o filósofo professoral
Filosofia sem poesia não é filosofia,
ensina o poeta sonhador

Entender a natureza,
saber das coisas que acontecem,
como acontecem, no mundo
e revelar ao próprio mundo

Ver o simples e o complexo
e constatar que tudo é passageiro
menos o motorista e o cobrador

O Nome Mais Bonito


O nome mais bonito da literatura brasileira
é João Cabral de Melo Neto...
Isso pressupõe que antes do Neto
tivemos um João Cabral de Melo Filho e,
antes do Filho, um João Cabral de Melo, só

João Cabral de Melo Neto,
diplomata, morava na Espanha
escrevia poesia que falava Pernambuco
mares de Recife e tratados do Brasil

Certidão de Óbito

Estou morto; sei, não parece, mas estou
Morri na hora que, aos poucos,
perdi a esperança que me aconselhava
em ver o homem se revelar humano

Estou morto, um pouco mais morto,
a partir da hora que sai de mim
e me perdi em alucinações, querida,
e querer saber mais ou menos de tudo

Estou morto, um pouco menos,
não importa, desde o momento atroz
quando ouvi que sou um ser sem voz

Um Sinal

Quem busca,
sempre acha
um significado
no menor sinal,
como no riso
de uma criança
caminhando no jardim...

Será o Professor Benedito?

Poema dedicatória: a gente só lembra de quem se gosta

Toda regra tem exceção
com exceção à regra,
ensinava o professor
Benedito Figueiredo

Da regra sem exceção
qual é o segredo?
A exceção sem regra
como será?

Gritos Noturnos

Quero proclamar aos gritos
Quero declamar o poema
Quero declarar ao mundo
Todo sofrimento e pena

Quero o poema lúcido,
não bêbado
Quero as palavras bêbadas,
não medrosas
Quero o ritmo e melodia
numa só poesia

Pássara

Me aproximo
passo à pássaro,
minha linda pássara

Calma...
O manhã não chega
antes do sol nascer

Veja as estrelas,
estão no céu
para segurar a noite

Apóstolos da Palavra



O homem, embora só, procura a si mesmo

por uma vereda, agora desconhecida,

mas que sabe: não é sem saída e paga ingresso

– A meta que aqui nos resta é a festa amanhã



Era luz, primavera, verão, inverno,

outro outono, nenhuma outra estação era...

Era a estação das cruzes, do fuso horário

de trocar vestimentas, homem, mulher...