14. a sonhar

porque, com que sonha, menina?
- não sabe?!
não tem cabimento,
uma coisa dessa, menina

se soubesse
sonhava mais mangas nos quintais,
doce de caju, melado e caldo de cana;
crianças brincando de esconde-esconde,
parentes nas redes e juras de amor
roubadas sem contemplação por menino vadio
como num sítio cheio de pomar, laranja
verde, madura, doce acre de dar arrepio,
beijo vermelho melado de beija-flor à vera...

- o sonho, menina, ninguém pode podar.

Conversas

Uma palavra puxa outra palavra
Até formar uma frase completa
Enquanto um poema inspira outro poema

Embora os olhos de quem vê uma clareira
Não sejam os mesmos de quem olha o pantanal

O Tempo Não Para

Logo depois de despertar,
Com a cabeça fresquinha,
Bate uma vontade de escrever

As escrituras, dessa hora,
Sai aos borbotões,
Uma frase atrás da outra
Até que a tosse,

A Morte Segue uma Lógica Eterna

Em algum momento da vida deixarei de escrever
Agora não sei se antes ou depois de morrer

A morte segue uma lógica eterna,
não temos como escapar:
Escrever ou não o poema segue um sistema
Às vezes não compreendemos muito bem

A lógica desse destino:
Ser livre ou ser preso sem razão
não tem o mesmo sentido

A Pantaneira Azul

Ninguém é mais linda que a pantaneira vestida azul.
A pantaneira é filha duma linhagem que começa antes do império.
A pantaneira de traje azul, no dorso do cavalo pantaneiro,
se confunde com o celeste azul do céu da manhã...
O amanhecer no Pantanal também é lindo

Cantoria


Não canto nenhum canto
que comece com o pôr do sol.

O canto como o canto dos galos
deve ser ao amanhecer.

Nenhum canto grita mais
que a luz do sol despertando.







8 de Abril: Hoje é aniversário da Cidade


A Ivan Belém
Hoje é aniversário da cidade...
Pessoas transcendem nesta data
Outras passam indiferentes
A moça sonha com o namorado
O casal briga por necessidade


Porque é aniversário da cidade
Alguém se sente realizado
Outro, muito – muito, frustrado
Um consórcio se consuma
Entre quatro paredes e a lua de mel


Pelo aniversário da cidade
Neste dia se derruba um prédio
do patrimônio artístico e histórico –
E constrói novas agências bancárias
Em becos, esquinas ruas e avenidas


No ser aniversário da cidade
Um fulano senta sozinho
E bebe uma cerveja num bar
Enquanto outro doente sonha
Em realizar a cura por mágica
Sendo aniversário da cidade
O bêbado está falando alto
Um terno e gravata se irrita
Um prefeito interino que ri
Outro candidato espera a vaga
continua na próxima página

Colheita do Tempo


Tudo envelhece antes de morrer
Essa é a cronologia,
ante a última de todas as etapas

A criança corre no parque
brinca sob o olhar da babá

O sol transcorre por conta
do movimento de rotação
da terra que se movimenta...

O pássaro pia, canta, gorjeia
chama e denuncia: “Bem-te-vi!”
mas não enxerga o tempo
com os mesmos olhos que os meus

Meus olhos precisam de auxílio,
lentes, sem as quais não vê
um palmo além do nariz

Bicentenários de consumo

Naqueles velhos tempos tinha um bicentenário para cuidar. Era um bicentenário moderno, não tão avançado assim, mas que podia ser confundido com os artefatos mais modernos, daí a necessidade de atenção redobrada.

Precisava ler qualquer coisa sobre segurança de bicentenários. Busquei na biblioteca mais recheada da cidade, da nossa cidade, os manuais, as ilustrações e indicações bibliográficas confiáveis…

Ninguém prestava ajuda ou atenção. Tudo estava de acordo, segundo as normas mais elegantes, editadas pelos poetas monarcas e transvestis severos que se faziam passar por policiais do convescote suburbano