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Detalhes do homem atual


Lento, baixa as mãos
entrega os pontos
se reconhece morto
dentro do corpo torto

Ri, bebe, come
anda, cansa, dorme,
masturba-se em cima
da mulher disforme

Acorda, levanta,
reclama, veste,
trabalha para o bem
dos seus belos patrões

Lento consome
o vento, o frio,
a fome, a sede
dos supermercados

Outubro - Um poema dedicatória a Marilza Ribeiro


A Marilza Ribeiro

Chove novamente
E não me liberto
Todos que aqui estavam
Foram muitos pássaros

Os cantos reprisam
Apego-me às pegadas
Antigas como sonâmbulo
Dirijo-me ao passado

Dever do poeta e da sua poesia


Poeta, a dor do Homem
deve ser contada,
falada, gritada no meio da praça,
                        da rua,
em cima das mesas de bares,
nas conversas de amigos

Poeta, a pobreza do Homem
deve ser denunciada
ao Homem que é pobre
e não sabe que sua miséria
é em função da espoliação que sofre
e da concentração de riqueza

Poeta, a mulher com filho no ventre
triste espera o marido
que foi à caça de emprego decente
e certamente voltará de cabeça baixa

Poeta, a poesia inútil
não fala o momento real,
não fala da dor, não intima o amor,
não busca a liberdade,
não xinga os merdas burgueses,
não odeia as desigualdades

A poesia inútil é uma poesia
de puxa-sacos e bundas-moles
e não fala nada com nada

Poeta, a poesia verdadeira
não precisa de rima pra ser poética,
precisa somente se comprometer
com o sangue que flui nas fábricas,
nos campos pela reforma agrária,
nas paredes da construção civil,
nas veias do povo procurando sua história,
contra o ódio, a alienação, as jaulas,
as algemas, contra tudo, tudo, tudo
e quer o homem pateta inautêntico

Poeta, o Homem da rua deve ser inspiração
Nós devemos captar toda tristeza
que encobre o espaço, toda agonia
que anda com o Homem na rua

Poeta, o canto que de canto a canto
será declamado, ritmo e melodia,
de amanhecer e descobrir o dia,
tem de sair da poesia
ou não seremos poetas.

#SonhoDeMenino


O Matemático


A José Figueira de Gusmão

A casa e o jardim
não refletem números inteiros

Foram muitos tijolos,
argamassa e horas extras

Foram muitas aulas,
lições de bem e desespero

Foram muitos os primeiros
antes de nós dois

Agora o sonho quase feito
não sabe enumerar os desafetos.

#SonhoDeMenino

Animais


A fome é no homem
como em nós mesmos

Por que então baixo salário,
custo tão alto
de aluguel,
pão, farinha e arroz?

A fome do homem é
como de todos animais.

#SonhoDeMenino

É possível sentar-se e conversar?


Tenho bares armados
na minha cabeça
algumas moléstias
a olhos vistos
muitas dores aladas
dois amores perdidos
e centenas a receber
(crédito e débito)

Vida e Morte Maria


Maria morreu!
Antes, porém, comeu, deu,
bebeu muito,
falou besteira,
verdades cruas e mentiras nuas

Assim:
riu, mentiu na cara do fulano,
piscou o olho,
tirou um dente, pôs ponte
- dentadura -,
xingou, chiou, cochichou,
espichou conversa;
viu-se na televisão
comeu pastel, leu jornal

Nossos pesadelos


Senti-me só, inválido,
diante de um homem
                 morto
de uma forma estranha e brutal

Quis gritar, expandir minha dor
ao limite máximo de minhas fronteiras...

Impotente, não pude
viver o ato simples de viver
sofrer, viver, sofrer, viver

Como a um obcecado
assisti aos lances
mais espúrios
e não fui capaz de nada

Notícias


Ao redor do corpo morto
roncam moscas famintas...

O corpo é de um homem
e morreu com fome
morreu faminto
morreu esperando
comer melhor um dia

E morreu sonhando
com feijão com arroz
e bife mal passado

E morreu trabalhando
por um salário de fome
morreu desesperado
em deixar mulher e filhos
desesperançados

II

Sim, o carro atropelou,
mas se o homem não estivesse
com muita fome
talvez isso não teria acontecido

III

A mulher, agora viúva,
vai se acabar mais ainda

A filha jovem e bonita,
que trabalha no emprego barato
e com esforço estuda à noite,
será outra vítima da ausência do pai

IV

A viúva vai lavar mais roupa
a filha mais velha prostituir-se
o filho menor um trombadinha

V

Até o momento a polícia
não veio para fazer o B.O.
do homem que morreu atropelado
e se não estivesse faminto,
sabe-se lá, não teria morrido

Tampouco o camburão do IML
- Instituto Médico Legal -
para recolher o corpo do homem
que morreu atropelado
porque estava com fome

Os familiares também não vieram
por que ainda não sabem
do pai, marido atropelado
quando atravessava a rua
e estava com fome

Ambições

Uma dose de cachaça
Joseíno na mesa
Olhando as mulheres
Com olhos desmedidos

É uma dose amarga
Que engasga a garganta
Dá coragem e desembaraço
Para falar e gritar

São mesas sozinhas
Sem velhos parceiros
Para lembrar
Antigas desventuras

Esquecer


Cânticos acesos
vergam a noite soturna
de lembranças noturnas

Olhas preciso
o movimento de asas
e motins de pássaros móveis...

De ouvido a vogal do grito
das entranhas da loucura
- Lances de tortura

Vês como os mesmos
olhos de olhar vagante
os ternos vigias cegos...

Vagamente a mão mexe
à procura duma pele
pra amar e esquecer.

#SonhoDeMenino