Mostrando postagens com marcador #SeletaCuiabana. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador #SeletaCuiabana. Mostrar todas as postagens

Chove em Cuiabá

Chove em Cuiabá e as águas,
como gotas de versos autônomos,
correm  ligeiras, ladeira abaixo
procurando outras águas,
de córregos e rios que formam
o majestoso Pantanal
que sobrevive a todas as secas
e as profecias mais pessimistas.

Sonho de Menino é Piraputanga no Anzol

Os peixes estão dormindo
Embalados por sonhos úteis
Que lembram antigos parentes
Perdidos por outros rios...
- Menino, menino, menino,
Tira daí esse anzol
E deixe os peixes do Cuiabá
Sonharem em paz.

Cuiabanos

Quem nasce aqui é cuiabano
Cuiabano, sem defeito de fabricação,
gosta de peixe, mojica de pintado
pirão e pimenta malagueta

Quem nasce aqui é cuiabano...
Sem querer defender a raça
as moças são modernas
as mulheres são bonitas
e sob o sol a pele morena
desperta desejos etéreos

Quem nasce aqui é cuiabano...
Sem falsa modéstia,
cultiva a gostosa preguiça
de – depois do almoço –
dormir na rede
à sombra dos mangueirais

Cuyabá ainda

Cuyabá ainda reparte
verdes
          verduras
                       verdejantes
verdor venturoso
apesar de seus assassinos
Cuyabá ainda educa
meninos
             pescando à beira do rio
peixes:
          pacus
                   piraputangas
apesar de seus inimigos

Cuyabá ainda inspira
                               cuidados
                               com a poesia
                         projetos de amor
                         espermas serenos
apesar de seus poetas.

Vamos Festejar o Natal

A Adir Sodré


Vamos festejar o Natal, meninada
Do Menino Jesus em Cuiabá
Veio andando, veio de madrugada
Veio sem fazer alarde, aqui está

Vamos festejar com o Menino...
– Não precisa tocar os sinos
Será uma festa simples, pouca
E vai durar a vida toda; não mais

Além da Imaginação

Mil dias antes de te conhecer.” Chico Buarque

Quando os navios chegaram com as vidraçarias

no antigo Porto Cuiabá pra construção do Palácio

dos intendentes que governavam a província

ninguém sabia que os cristais se espatifariam



Quando o sol se pôs além do antigo oceano

que nasce nas chapadas dos ditos Guimarães

a história, nossa história, ninguém sabia narrar

além das lendas de amor dos bichos e peixes


Cuiabá entre Leds


Andar pelas ruas da Cuiabá antiga em dias modernos
já não trazem sentimentos, destarte ser cuiabano
do século antigo, também conhecido como século 20,
de como quando morador daquelas outras ruas

Cuiabá, repara, pulveriza-se entre leds, lembranças
dos velhos neons, cine poeiras e bares Atlânticos
armazéns de secos e molhados, vendas a granel

Andar pelas ruas, sem medo de atropelamento,
é sonho que não se realiza no dia a dia, pôr do sol
levantar cedo e caminhar pelo quintal de casa...

Sou Poliéster


Sou poliéster, fui Durango Kid,

sai ileso ao caminhar de Far-West

pelas antigas ruas cuiabanas



Calcei Conga, matei aulas,

furtei mangas e cajus de quintais

que jamais foram de minha casa...

De Poetas Tortos e Anjos Manés


Vi o poeta saindo de mãos dadas

com um anjo torto

Nem o poeta e assim também o anjo

são capazes de engrenar um poema

de contramão para levantar a musa

madrugada manhã junto com o sol



O poeta – não apenas ele – só conhece

os tortos, os avessos, os diferentes

os Manés, os Garrinchas

os sem sentidos que embarcam, sim,

em canoas furadas



A poesia, meio que afoga, mas

mesmo sem saber nadar, se salva

segurando o rabo do sarã...

1955

Viva Dona Josefa
que sempre me teve
com fé, boa mesa
e levou-me
pra tomar todas as vacinas
e, por isso, estou aqui.



Oração Cuiabana

Meu bom Menino Jesus de Cuiabá,
neste momento que estamos sós,
venho lhe pedir, com o coração
derramado, por nossa capital,
tende piedade de nós


Meu Bom Menino Jesus de Cuiabá,
olhai, com seus olhos mansos, as palmeiras
as velhas palmeiras da Praça Ipiranga
e estão corroídas por cupins, e por isso,
Jesus Menino, sendo derrubadas por motosserras


Vigiai, meu Bom Guri, a nossa população
que cresce e desaparece...
O que era pacato agora se esconde
na multidão, no tumulto no trânsito caótico
no barulho ensurdecedor...

Pescuma

A gente vai pescar
um peixe
piraputanga

A gente vai pescar
um peixe
pacu
pacupeva

A gente só não pesca na piracema
espuma
cerveja se arruma
na beira do rio
Um canto a fio
na voz Pescuma.

A Poesia Está Aqui


A poesia saiu da lata do computador

meio que sorrateira, meio que no meio da tela

meio que sem inspiração, porém autêntica

sem medo de ir até ao cartório validador



A poesia está na internet, na rede de balançar

na sala de estar, no meio do caminho

lendo, que na hora se lê, Carlos Drummond

e todos os Manuéis: Bandeira, de Barros

que falam Recifes e Pantanais.

Minha Cidade Não é a Mesma Que a Cidade do Prefeito Bento Lobo

Quero minha Cuiabá, se possível,
voltando ao passado com as palmeiras na
avenida Ponce e o Armazém Mercado aberto onde
ia roubar azeitonas pretas, leite condensado e Sonho de Valsa
A cidade do prefeito transforma-se diária
para se fazer bonita e se esconde e esconde
as favelas, os grilos os esgotos a céu aberto
Minha cidade...
As igrejas seriam sempre de barro, barrocas
quando depois da missa aos domingos
as pessoas saiam para passear no Jardim Alencastro
A cidade do prefeito é veloz, o asfalto preto
encobre os paralelepípedos e as ruas de lajotas em nome da
modernidade se constrói o elevado Maria Taquara 1
Minha cidade já teve mangueiras, pitombas
cajus, cajazinhos, goiabas tudo tão gostoso e aos montes
A cidade do prefeito se ornamenta com plantas
trazidas da Índia, de Goiás e Rio Grande

Minha cidade não é a mesma que a do prefeito
embora sejamos cuiabanos e Cuiabá,
trezentos anos se modifica pela ação do tempo
Minha cidade vai daqui ali... Avenida Dom Bosco
Colégio dos Padres, Campo D’ourique, Mundéu...
Legendas que se perderam ao sabor das mudanças
que o futuro no pretérito impôs
A cidade do prefeito é um milhão de votos
um retrato na galeria, umas páginas na história
quem sabe, um nome de rua, no século futuro...
Minha cidade faz aniversário quieta, saudosista, serena
sem remorso de ser singela
A cidade do prefeito, oito de abril é fanfarra
desfile cívico-militar e fogos de artifícios.

Cuiabá, Cuiabanos e Cuiabana



Cuiabá 300 -10 é contagem regressiva
Para o tricentenário da cidade verde
Ano que vem serão menos nove
E Cuiabá não para, não para, não para...

Meu coração, enquanto bate, não para
De ser cuiabano, de ser otimista
De acreditar que o homem cuiabense
Além de hospitaleiro é esse mesmo...

Como também é o cuiabanense
Quando olha para o sol se pondo
E lembra: amanhã é dia de fazer feira

Cuiabá caminha calma e solene
No seu andar, morena... Antes de tudo
Melhor de tudo é o coração da cuiabana.
Abril/2009

A Cuia Vai por Cuiabá a Fora

Cuia vá! Cuia vá! Cuia vá!
Gritava o português atrás da cuia que lhe escapou da mão
quando bebia água na beira do Coxipó...
Assim narra a mais divertida versão para o saboroso nome Cuiabá

Os primeiros a chegarem aqui - antes de todos os primeiros -
foram Miguel Sutil e Pascoal Moreira Cabral
- Um virou anel rodoviário, o outro, antes de se tornar
praça que não é mais praça, era o Campo D’ourique
onde os circos se armavam e trapezistas voavam até o infinito
enquanto motociclistas do globo da morte
desafiavam nossa coragem em olhar...
Meu pai sentava nas cadeiras e o menino assistia do poleiro

Essa Cuiabá está perdida, não mais existe
Não resiste, mas não desiste, não desiste, não desiste

O Campo D’Ourique, o Armazém Sampaio
João-João, o craque Almiro - depois de tentar substituir Pelé,
foi jogar em Portugal e voltou com sotaque europeu -;
as peladas, o soltar pandorgas, quermesses, o bairro Cai-Cai,
bandoleiros, Mão Branca e o motorista que viu a Moça Loira
entrar no Cemitério da Piedade estão perdidos na poeira do tempo
como o cine poeira da 24 de Outubro...

Naquele oito de abril, o português, que corria rio abaixo atrás da cuia,
não podia, não sabia imaginar que a cidade tomaria tal feição!

Chegaram os navios cheios de tapeçarias, copos de cristais,
computadores, uísques do Paraguai, gás néon,
retrato três-por-quatro na hora, o lambe-lambe da Ipiranga,
BrasilSalt, Motosblim, Av. da Prainha...

Em meio a isso tudo, os negros cuiabanos de pés rachados
construíram a capela pra São Benedito e Nossa Senhora do Rosário
depois da conclusão da catedral de N. Senhor Bom Jesus de Cuiabá
que Dom Orlando Chaves, anos mais tarde, cismou de derrubar

Quando o rio encheu, paus rodaram, veio gente
do Rio Grande do Sul, do Paraná, das Minas Gerais.
Os paulistas já estavam aqui entraram como bandeirantes
a RVO foi a primeira a noticiar

Um, entre tantos nordestinos, se fez prefeito, depois governador
José Lopes, passaporte de Portugal, os Müller da Alemanha...
Agora, porém, ninguém consegue separar nada de nada
é tudo uma cuiabanada só

O português do Rio Coxipó que gritava: “cuia vá!”
queria o ouro, shopping center Goiabeiras, Bairro Popular
- O CPA é grande pra chuchu -
O historiador Rubens de Mendonça agora é avenida e passa além
do monumento Ulysses Guimarães

O Mercado do Peixe vai virar museu,
os turistas vão ficar com água na boca e comer pacu no Bar Flutuante*
Dona Zulmira brigou com as moças do Clube Feminino e fundou o Mixto
Professor Ranulfo, no Dutrinha, não conteve a surra do Chicote

Quem é que podia calcular tudo isso?
O português que gritava “Cuia vá!” jamais imaginaria que o cine Tropical,
apesar do sucesso, fecharia as portas, como o Banco Financial, Sayonara,
Panacéia, Palmeirinha, Pedro Biancardini, a dança de boi-à-serra, Lourdinha
e o Armazém Mercado de João Cartola

Agora, Cuiabá perde a pronúncia, suas mulheres, por causa do calor,
ficam mais sensuais e provocantes; o ônibus anda até na pituca de gente
Um crime - estampa o Jornal do Dia - aconteceu ontem num bairro periférico

Cuia vá! Cuia vá! virou Cuiabá
O índio de “coque” na beira do corgo ria do desespero do português...

A caixa preta não revela: a mangueira de cem anos tombou
para dar lugar a um prédio da Encol; o Hotel Centro América babau
Quem muito atiça Deus castiga... Cuiabá, adeus, até mais voltar.

(*) O nome comercial era Restaurante e Peixaria Flutuante, construído entre 1968 e 1969, inaugurado em 1970 pelo casal Manuel Seixas e Nemézia Angelo e funcionou por mais de 45 anos. Em 2017 foi condenado pela Delegacia Fluvial de Cuiabá e desmontado em 2018.

#SeletaCuiabana

Os Pomares de Cuiabá

Os pomares de Cuiabá...
Sabe-se que eram pomares
Sem se difundir o significante,
Embora o significado
Não quero lembrar Saussure –,
Estivesse nos dicionários

Poucos falavam “pomar”
E muitos esqueciam o termo,
Talvez, por orgulho avesso...

Tudo – igual a tudo – era quintal:
Quintal de Dona Bembem,
Quintal de vó Mariana,
Quintais de mangas, cajus, jabuticabas,
Abacaxis, goiabas, maracujás...

Verdadeiros pomares –

Nesses doces quintais,
Meninas e meninos,
Em especial os guris,
Brincavam de Tarzan,
Mesmo sem conhecer os livros
De Edgar Rice Burroughs.

Do Livro "Seleta Cuiabana - Cinquenta Poemas que Falam Cuiabá" página 20

O Museu do Rio Cuiabá


O Museu do Rio era construído
antes de ser o Museu do Rio
Ele era erguido num tempo
de ser o Mercado Público
e depois virou Mercado do Peixe

Dentro e fora se vivia peixes
todos os peixes da baixada:
pacu – o primeiro da lista –,
pintado e cachara...

(A diferença entre esses dois
– se diferença pode haver –
o pintado, como diz o nome,
tem pintas, enquanto o cachara
são listras transversais)

Carta de Mim (1 e 2)

Cuiabá amanhece num instantezinho
enquanto noutras mil outras cidades,
ao oeste, ainda é madrugada
e as pessoas, por si, dormem

O relógio, que conta o tempo,
este improcedente tempo, é preciso
está no meu pulso e pulsa comigo
segundo a segundo até o minuto siso...

O mesmo tempo que destrói moléculas,
mesmo as mais puras de nossos corpos
sem defesas, stop o imprevisível...

O imprevisível é a terna madrugada
em outras cidades. Por aqui, agora,
acabei de saborear o café com pão...

II

O café era forte, o pão estava quente
a manteiga chegou a derreter-se...
O conjunto era perfeito sob a luz
mas sabia que a noite vigia além daqui

Além de nós existem outras pessoas,
além, muito aléns, e não consigo
imaginar o mundo além do previsível
de amanhecer todos os dias em Cuiabá

Meu corpo por ora já não tem defesas
contra as cousas novas, novidadeiras,
a acontecer nos contratempos do tempo...

Meu corpo se levanta da cama, meus pés
calçam os chinelos, bocejo, faço minhas orações,
escovo os dentes... Tudo isso antes do café.

Do Livro "Seleta Cuiabana - Cinquenta Poemas que Falam Cuiabá" página 15

#SeletaCuiabana