O Que Restou

O que restou foi um pedaço de filme 16 mm,
um pedaço velado, que não serve pra quase nada,
um retrato 3x4 de um detalhe da torre da igreja tombada...

Foto Chau localizava-se na Rua do Meio
de quem vai e de quem vem, vice-versa

A memória, bom que se diga,
não importa muito com isso,
só quando aperta a saudade

A Reforma da Previdência (1998)

A reforma da previdência precisa ser feita!
Avisam os políticos da cara de pau
à patuléia que não tem como se defender
de tanta desfaçatez que lhe pregam à nau

A reforma da previdência é a salvação
do sistema concebido para falir...
Só que esquecem de dizer que meteram a mão
financiaram obras e mais obras faraônicas
a construção de Brasília, a ponte Rio-Niterói
a rodovia Transamazônica e a ferrovia do aço
de tal forma que agora não tem como safar

A reforma da previdência, cuidado, é armadilha
para o trabalhador que suou a camisa
a vida inteira e vê sua aposentadoria querida,
virar migalha numa fração de segundos
no voto canalha do deputado despudorado
que se vende a luz do dia de cara lavada

A reforma da previdência precisa sair do papel
mais que urgente, prega o ministro (aquele mesmo)
que se aposentou com 44 anos de idade
e o presidente com duas aposentadorias indecentes
e o Congresso Nacional com sua corja de asnos

A reforma precisa ser feita, diz o político
Segundo ele, o brasileiro não gosta de trabalhar
O trabalhador brasileiro, porém, não é paralítico
nunca se furtou a dar sua contribuição e penar

A reforma da previdência tem uma mentira
de ter mais aposentados recebendo pensão
que trabalhador na ativa com holerite
participando na formação do fundo

A reforma, claro, é feita com essas notícias
o povo, que não tem como auditar essa informação
para saber se é verdade ou não, fica o dito,
meio sem saber o que fazer, quieto
mas muito cabreiro ao assuntar de longe

A reforma vai ser feita, na marra,
goela abaixo do trabalhador, sem força
para exigir a carteira de trabalho assinada
por isso vive no subemprego submisso

A previdência, com a reforma, mentem,
vai sobreviver muito mais, com certeza
mas o trabalhador não vai viver tanto, aviso,
e, finalmente, ao fim da vida sem valia
sem nenhuma perspectiva, há de apelar
para a Divina Providência,
que não tem nada a ver com essa safadeza,
por uma morte em paz.

Este ônibus

Este ônibus
Segue todos os rumos
Todos os destinos
Até a parada final.

Pão Amanhecido

Sobre o papel que levo debaixo do braço,
no sovaco, posso dizer : -Nada escrito!
O papel jornal é resto de embrulho
de uma paixão que ficou amanhecida.

Quando Escrevo

Quando escrevo poemas sem sentido
Estou sem sentido,
Embora todo sentimento
Esteja aflorado no testamento

Quando escrevo coisas como anjos alados
Os anjos estão embaraçados
Em abraços e me guiam
Pelos caminhos de menos penar

Quando escrevo emoções sentidas
De uma dor qual nunca senti
Como ser de um poeta
Que escreve a dor que deveras sente

Interrogações

Quem escolhe nossas roupas?
Quem determina a hora de começar o dia
Às seis horas e não às oito, às onze?
Quem vai ao volante do planeta terra?
Quem escreve cartas além dos presos injustamente?
Quem carrega comigo a culpa de não sermos pós
Tudo além do conhecimento?

Quem deu a ordem pro tempo parar
Antes do próximo segundo?
Quem segurou o ponteiro do relógio
Pro tempo dar tempo pro suspiro terminal?
Quem escolhe as cores da camisa
Que fazem a próxima estação final?

Quem mergulha de ponta cabeça
No poema intrépido
Do poeta esquecido na prateleira vazia?

Quem?

Correr Riscos

Para não correr riscos,
de apaixonar-me
por olhar eletrizante,
não saio mais a passear
sem para-raios.

Poesia em Liquidação

Vende-se poesia barata. Não precisa de cartão de crédito,
nem saldo bancário estimado, ou subestimado, saldo nenhum
Vende-se poesia sem domicílio, sem grandes pretensões literárias
com guard rail para segurar quaisquer devaneios

Minha poesia não busca os grandes leitores,
os iniciados na poética do século 21, ou do século passado
Minha poesia não irá, garanto, para as antologias,
pros gabinetes literários ou para estantes das bibliotecas seculares

Entrevista

Quando conheci o poeta, estava sozinho,
observava pela janela a jovem filha da vizinho

- Que estaria o poeta imaginando?

Quando nota minha presença, se volta
e conversamos. Falamos de artes,
pinturas, quadros roubados,
livros emprestados de amigos distantes
e esquecemos em devolver

Haicai???

Do que tenho medo?
É da diferença
entre sinapse e sinopse.

Faça!

Quando não puder fazer bem feito, com carinho, esmero; faça sem cerimônia, nas coxas, empurrando com a barriga, mas não deixe de fazer. O malfeito pode ser consertado, arrumado, até mesmo ser refeito. Mas se aquilo que sabíamos que tinha que ser feito e deixamos para trás, por falsas alegações; esperar as condições ideais (que no íntimo sabíamos que nunca chegariam) é imperdoável. Pois ninguém, alguém ou qualquer pessoa, jamais irá consertar, arrumar ou fazer melhorar.

Posso perder tudo

Posso perder tudo, perder tempo,
Conversar fiado, entrar na fila e esperar
Esperar o autoatendimento
Posso sair da livraria sem levar
Nenhum livro debaixo da camisa

Posso perder um ou dois amigos
Posso perder o bonde da história,
Que vem de Marraquexe e vai pra Montevidéu
Posso passar apertado dentro do elevador
Posso ler de trás pra frente sem entender tudo

Posso fazer de conta, ficar de papo pro ar,
E, assim como quem não quer nada,
Enganar a Arena Pantanal dia de Mixto e Operário
Posso piscar o olho, usar tapa-olho
E em alto mar ser pirata de madrugada

Posso perder o jogo, perder a aposta
Perder a anotação do jogo do bicho
Posso ensinar o padre rezar a missa
No sétimo dia iniciar o luto fechado
E ficar esperando, quem espera alcança

Posso perder a cabeça, ficar sem gravata
Preso no trânsito, sentir medo de voar
Ficar totalmente sem noção durante o dia
Posso querer me apaixonar pela mulher
Que sempre me amou, mesmo odiando

Poeta Preguiçoso

O poema esquecido
Por falta de papel e lápis
Encontra-se no labirinto
Do subconsciente literário

No subconsciente do poeta
Trafegam versos, rimas
Verdadeiras epopeias
A procura de papel e lápis.


​​ Negociação

A poesia aceita cartão de crédito,
cartão de débito, de preferência,
e, se conversar, até nota promissória
sem avalista